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sexta-feira, 9 de maio de 2014

O Retorno do Retorno

Nossa... o que é o tempo? E como muito tempo passa e pouco tempo parece?
Faz tempo que não posto? A vida correu e os focos foram outros... Mas não se perde tempo quando tem-se tempo para o tempo!

Nesse tempo, portanto, reabro recordações, vivências e aprendizados do tempo de 2013... mas também aquilo que o tempo de 2014 me proporciona e aquilo que o futuro tempo me trará.

O que sei é que Timor-Leste não se perde no tempo de minha vida, muito pelo contrário, foi decisivo por todo o ano de 2013 e me fez um homem muito melhor do que o tempo de antes... por isso continuo.

Não é apenas um  trabalho, mas uma experiência profissional, humana e espiritual em que um país com tão poucos recursos tem me ensinado e me melhorado.

Ensinar é um desafio. Ensinar na escassez é um desafio maior. E eu estou aprendendo a ensinar na escassez... e isso tem me feito muito feliz!

Meu trabalho tecnicamente é direcionado para a formação de professores que atuam no ensino básico, secundário e superior. Na prática é um grande laboratório de vivências em que eu, meus colegas brasileiros e os docentes timorenses temos estudado e buscado caminhos para a Educação em um país que está se reconstruindo dia a dia.

Também participo de ações de políticas públicas para, junto com meus parceiros, respaldar as necessidades que surgem... e que não são poucas.

O trabalho do educador que tem brilho nos olhos ao fazer a educação acontecer é sempre uma corda bamba e que geralmente nos provoca reações bem polarizadas. Ou seja, podemos nos desesperar ao ver que educação custa caro e não é prioridade de qualquer governo, e reclamar (justamente!) e até desistir. Ou militar nos espaços adequados, mas arregaçar as mangas e tentar fazer algum trabalho com qualidade. Não tenho certeza ainda, mas escolhi a segunda opção pois ela me faz bem, pois vejo resultados palpáveis no cotidiano educativo.

E quanto tempo levaremos para resolver os problemas da Educação em Timor? E no Brasil? Com certeza algum tempo... com certeza não o tempo que é transformado em dinheiro... em produção de mercado... com certeza um tempo que nos deixaria ansiosos, angustiados, impacientes...

Mas se tem uma coisa que Timor-Leste tem me ensinado é a lidar com o tempo de outra forma... e o educador sabe que cada um tem seu tempo de aprender... e sabe que não se pode determinar o que cada um DEVE aprender, muito mesmo limitar o tempo desse aprendizado... Portanto... vou vivendo o tempo que me é dado pelo próprio tempo... e estou dando tempo para que a vida se desenrole em seu tempo... e não há melhor cronologia que o "quando", o "enquanto" e o "agora".

Quero que esse homem que um dia voltará de Timor, volte com tempo e em tempo de continuar suas transformações internas... respeitando mais o seu próprio tempo... e entendendo com mais força a ideia que, de tempos em tempos, me toma os pensamentos: Qual o real sentido disso tudo?

Beijo no coração!

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Ai funan barak


Diak ka lae, kolega sira!

Assim como em língua portuguesa, a expressão de agradecimento “obrigado”, se tomada ao pé da letra, não faz o menor sentido, isso transposto para a língua tétum de Timor, igualmente perde o sentido literal, ganhando significado em seu uso social.
No entanto, em uma das minhas aulas de língua tétum e cultura timorense, tive a oportunidade de receber a visita de um professor timorense que veio compartilhar algumas ideias com a turma e, dentre elas trouxe-me mais uma das pérolas de Timor.
Explicou-nos, o mestre de Baucau, que no passado, quando o tétum não sofrera ainda as influências e interferências da língua portuguesa, os timorenses possuíam uma expressão muito singular para manifestar agradecimento em situações desse tipo. Diziam “ai funan barak” que, literalmente, significa “muitas flores”. Isso, acompanhado do gesto das mãos fechadas palma com palma trazidas junto ao coração, e o olhar de profunda gratidão buscando a alma da pessoa a quem se agradece, através de seus olhos, confirgura um dos maiores poemas que já “li” por aqui e que traduzo abaixo:

“Por você ser...
Por ter feito...
E pelo que poderá fazer...
Minha alma retribui
Com muitas flores
Que meu coração produz!”

Ai funan barak, kolega sira!

sábado, 13 de abril de 2013

Reflexões de um bimestre (quase!)


Maun sira, mana sira, diak ka lae?

Importante e impressionante como o sentido de tempo perde o sentido quando o foco de nossas vidas aponta para direções surpreendentes. Estou há quase dois meses em Timor e vivi já aqui mais de seis meses de acontecimentos, aprendizagens de vida e desenvolvimento humano e profissional. Meu trabalho é de gestor, aparentemente, mas de educador de fato. E na educação não há tempo determinado, mas processo contínuo de aprendizagens, encantos, desencantos e crescimento. As etapas que estabelecemos nesse processo são meramente psicológicas, para que percebamos os degraus que já galgamos (e os que ainda estão por vir!).
Nesse tempo intenso, eu já tive oportunidade de auxiliar quem não conhecia a realidade desse país, desse povo e as marcas, visíveis ou não, que ainda estão por cá. Lemos e discutimos sobre os nossos ofícios. Nos submetemos às normais adaptações de ego pelas quais passam todos os seres humanos que se dispõem a trabalhar em equipe. Ressignificamos nossas vidas em um novo contexto, com novos personagens, novos enredos e novas expectativas.
E o mais interessante, talvez, tenha sido viver tudo isso após um período de três meses em “meu” país, “minha” cidade, com os “meus”! Num estágio providencial de vivência no ambiente que, no passado, eu considerava o mais adequado possível, e que se configurou sufocante e restrito, motivando as mudanças que me trouxeram ao “outro lado do mundo” ano passado.
Algumas verdades de outrora são hoje meras lembranças da pequenez do pensamento humano que insisti em manter como carapaça de segurança – irreal – mas confortável que tinha. Os amores, os valores e os temores são configurados de forma diferente hoje, mantidos seus teores, mas nunca seus horrores! E aquilo que eu me impunha possessivamente como “meu”, já não está tatuado na bolha que me convinha viver dentro.
Timor fez eu perceber que quem se aventura no campo minado da Educação deve estar despido dos dogmas satisfatórios da vida moderna e me fez entender que os conceitos de “país”, “lugar”, “tempo”, “amores”, entre outros, são tão transitórios quanto convencionais e que a ideia de que são nossos pilares de equilíbrio também é invertida. Nós somos nosso próprio pilar e isso não é egoísmo ou isolamento, mas um aspecto elucidativo do nosso papel responsável por nós mesmos, sem pré-requisitos ou responsabilidades coadjuvantes.
Timor, cada vez mais, me transmite a sensação de que precisamos de muito pouco para sermos felizes e para entendermos que dignidade está muito mais relacionada com a forma como organizamos nossas vidas do que com os impedimentos que estabelecemos para que não nos sintamos bem!
“Professor, se é em português, em bahasa indonésio, em tétum ou em inglês que vamos ter que conversar não importa, o que importa é que os corações das pessoas consigam conversar sem medo!” Assim me falou um professor de escola secundária (Ensino Médio)... assim ele me desmontou... e me reconstruiu!

Loron diak ba hotu-hotu!

sexta-feira, 15 de março de 2013

Timor... novamente Timor!



As férias em meu país foram necessárias por questões diversas relativas aos meus sentimentos e às minhas escolhas de vida. Rever família e amigos recarregou minhas baterias emocionais, me fazendo sentir-me mais família e mais amigos de todos e principalmente percebendo que, após quase um ano longe do cotidiano de todos eles, a vida de cada um transcorreu como tinha que ser, assim como a minha também, o que reforça a ideia de que não somos tão indispensáveis assim como nosso sentimento egoísta e orgulhoso nos faz crer. Isso é muito bom!
Igualmente, o fato de a distância não ter enfraquecido nem apagado os laços que nos unem é importante para perceber que amor e carinho são sentimentos sublimes e a nossa capacidade de amar transcende questões geográficas e os sentidos físicos humanos. Continuamos amando, independente de estarmos perto ou não. Podendo, inclusive, potencializar esse amor, ou transformá-lo em outras variações de amor, muitas que eu ainda estou em fase de descoberta.
Uma vez que é muito mais fácil decidir o que não queremos para nossas vidas, fica a eterna reflexão sobre o que nós queremos... e voltei do Brasil sem definições quanto à profissão, aos futuros empreendimentos e à organização de vida. O sistema me convoca aos hábitos de antes, com volume de trabalho enlouquecedor e ritmos de vida duvidosos, quase insanos. Também, pelo conforto e pela compensação que isso promove, me incita a estar perto daqueles que colorem minha vida de forma significante.
Entretanto, perceber que há outros possíveis sistemas que me proporcionam outras escolhas e caminhos é desafiador e intrigante. O diferente fascina e assusta com a mesma potencialidade! Mas que bom que tenho escolhas e transformar isso em um problema é, no mínimo, vexatório!
Sendo assim, resolvi seguir meu instinto taurino, sensível ao que me faz sentir-me útil e bem, lutador por causas que acredito e, acima de tudo, buscando aprender muito... sempre... e tanto!
Timor, mais uma vez, me chamou e eu vim! Porque acredito profundamente nas consequências positivas das transformações profissionais e pessoais que estou passando aqui... Porque não me sinto tendo finalizado um trabalho iniciado ano passado e, portanto, com aquela sensação de que há algo ainda a ser feito... Porque o que vivi por aqui ano passado mexeu com meus dogmas, convicções e raízes, fazendo-me perceber que minha vida é muito mais do que era... Porque a bolha do comodismo em que todos nós vivemos foi furada e o ar que respiro agora é outro... Porque preciso disto tudo para sentir-me vivo e fazer a vida valer muito a pena...
Pelo professor que escolhi ser... pelo homem que decidi construir em mim... pelo ser humano que me esforço em me constituir... Timor-Leste novamente é a escolha deste ano... e que seja um ano intenso, como está aparentando... mas que eu o finalize com mais alegria do que a que sinto em iniciá-lo.
Kolega sira hau hadomi  imi hotu!
Aifunan barak!

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

O Retorno


E quando um ciclo se fecha é porque outro está iniciando. Conviver em Timor foi uma das experiências ricas que trarei comigo junto às emoções que gostaria de reviver, em breve. Energias que compartilhei que me fizeram melhor do que quando aqui cheguei. Sensações estranhas que me forçaram a buscar outras alternativas. Campo de batalha que me ensinou a guerrear por aquilo que acredito. Adversidades que me fizeram capaz de perceber o quão múltiplos nós podemos ser. Lugares, pessoas, histórias que ficaram escritas no livro da sabedoria, para serem consultadas a todo instante e promover mais sabedoria. Uma terra quente, no calor do sol nascente e nas efervescências humanas que nem a vida apaga com o esquecimento. Timor foi um ano, uma década, uma vida... cada dia se desdobra em três, ou em mil... cada minuto foi um leque de oportunidades e ensinamentos que, hoje, eu percebo o quanto me fizeram bem.
O professor leva consigo as marcas de uma trajetória complicada e ao mesmo tempo fascinante. O homem carrega a certeza da força de vontade e a necessidade do ter porque lutar. O espírito mais leve e sereno leva as lições de paciência, tolerância, pensamento em foco e muito entendimento com o equilíbrio interior. O Xandy leva consigo mais uma cor em sua aquarela, mais um carimbo em seu passaporte, mais inspiração para sua poesia, mais alimento para seus pensamentos e imensas toneladas de energias positivas estocadas para a continuidade de sua trajetória... ah! Leva também a Camila, é claro! Parte essencial de tudo de melhor que aqui aconteceu.
O professor deixou sementes espalhadas em campo fértil. Apontou caminhos e sugeriu as armas. O homem deixou suas marcas especiais naqueles que a vida pôs em seu caminho. O espírito deixou temperança e tranquilidade nos laços feitos. O Xandy deixou amizades, sorrisos, agitos e aquele gostinho de “quero mais”!
Eu só sei que, de acordo com o que me disseram antes de vir, posso agora, após rever o caminho percorrido, declarar que fiz a melhor escolha vindo para Timor e que com a máxima certeza... EU FIZ A DIFERENÇA AQUI!
E, em 2013m, haverá muita vida intensa a ser lida, estudada e praticada... Que Timor me espere, porque já estou chegando lá!

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Mosaico V


“- Professor, eu acho que vou escrever assim no meu texto... ‘os livros são janelas que nos mostram o mundo’... o que o senhor acha?
- Eu acho que podemos escrever ‘os mundos’ em vez de ‘o mundo’, pode, professor?
- Professor, eu acho que poderíamos escrever que ‘os livros são portas’ por que janelas é para vermos, mas portas é para entrarmos e conhecermos as coisas e visitarmos as pessoas.”
(nessa hora a fala do professor dá lugar a lágrimas de felicidade)


“Eles têm uma séria dificuldade em perceber conceitos abstratos, linguagens abstratas, pois não alcançam o significado real das coisas e não conseguem perceber nada além daquilo que está concretamente ao seu redor. Imagino que vocês, professores de Língua Portuguesa, devem ter muitas dificuldades para conseguir o mínimo de comunicação e entendimento dos textos. Por que os textos todos possuem linguagem abstrata e quase impossível para eles.”

(nessa hora a fala do professor dá lugar a lágrimas de cansaço e desânimo)

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Mosaico IV


“- Vocês já entraram em uma livraria antes?
- Não, professor!
- E por quê? Não se paga para entrar em livrarias, além de se poder conhecer os livros, saber sobre outras culturas e pessoas. Vocês não acham isso importante?
- Sim, professor, mas nós pensamos que era um lugar para os malais e não para os timorenses entrar.
- Mas por quê? Tudo o que está em Timor é dos timorenses em primeiro lugar. Vocês podem e devem entrar nas livrarias sempre. Olhar os livros, folheá-los, ler alguns trechos e conhecê-los.
- Os livros são muito caros, professor. Não podemos comprar.
- E qual é o valor que vocês podem pagar para comprar livros?
- 5 ou 10 dólares, professor.
- Muito bem, então se cada um da turma der 5 dólares nós conseguiremos comprar 40 livros de 5 dólares, ou 20 de 10 dólares e colocaremos nesta estante em nossa sala, e os livros serão de todos. Com 5 dólares todos terão direito a 40 livros diferentes! No próximo semestre fazemos a mesma coisa e a quantidade de livros dobrará. Se vocês conversarem com os colegas de outras turmas para fazerem o mesmo, teremos muito mais livros e vocês poderão emprestar a eles e eles emprestarão a vocês!”

(Os olhos brilharam com a possibilidade empreendedora... nunca haviam pensado serem capazes disso... a semente foi jogada e eles começaram a se mobilizar)

“Não consigo ver grandes mudanças em Timor-Leste. As pessoas de aqui são muito acomodadas, sem iniciativas e sem vontade de um real desenvolvimento. Nem sequer falam sua língua oficial. E agora ainda pretendem que a ONU de cá saia, pois acreditam ter autonomia. Nem sequer sabem o que é ter autonomia. O que salva por aqui são as cooperações internacionais. Sem elas não sobrevive-se por cá.”

(Sementes como estas são jogadas a todo instante em Timor, a ponto de atingirem uma força que chega as raias da verdade... só que ao contrário!)