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quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Mosaico V


“- Professor, eu acho que vou escrever assim no meu texto... ‘os livros são janelas que nos mostram o mundo’... o que o senhor acha?
- Eu acho que podemos escrever ‘os mundos’ em vez de ‘o mundo’, pode, professor?
- Professor, eu acho que poderíamos escrever que ‘os livros são portas’ por que janelas é para vermos, mas portas é para entrarmos e conhecermos as coisas e visitarmos as pessoas.”
(nessa hora a fala do professor dá lugar a lágrimas de felicidade)


“Eles têm uma séria dificuldade em perceber conceitos abstratos, linguagens abstratas, pois não alcançam o significado real das coisas e não conseguem perceber nada além daquilo que está concretamente ao seu redor. Imagino que vocês, professores de Língua Portuguesa, devem ter muitas dificuldades para conseguir o mínimo de comunicação e entendimento dos textos. Por que os textos todos possuem linguagem abstrata e quase impossível para eles.”

(nessa hora a fala do professor dá lugar a lágrimas de cansaço e desânimo)

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Mosaico IV


“- Vocês já entraram em uma livraria antes?
- Não, professor!
- E por quê? Não se paga para entrar em livrarias, além de se poder conhecer os livros, saber sobre outras culturas e pessoas. Vocês não acham isso importante?
- Sim, professor, mas nós pensamos que era um lugar para os malais e não para os timorenses entrar.
- Mas por quê? Tudo o que está em Timor é dos timorenses em primeiro lugar. Vocês podem e devem entrar nas livrarias sempre. Olhar os livros, folheá-los, ler alguns trechos e conhecê-los.
- Os livros são muito caros, professor. Não podemos comprar.
- E qual é o valor que vocês podem pagar para comprar livros?
- 5 ou 10 dólares, professor.
- Muito bem, então se cada um da turma der 5 dólares nós conseguiremos comprar 40 livros de 5 dólares, ou 20 de 10 dólares e colocaremos nesta estante em nossa sala, e os livros serão de todos. Com 5 dólares todos terão direito a 40 livros diferentes! No próximo semestre fazemos a mesma coisa e a quantidade de livros dobrará. Se vocês conversarem com os colegas de outras turmas para fazerem o mesmo, teremos muito mais livros e vocês poderão emprestar a eles e eles emprestarão a vocês!”

(Os olhos brilharam com a possibilidade empreendedora... nunca haviam pensado serem capazes disso... a semente foi jogada e eles começaram a se mobilizar)

“Não consigo ver grandes mudanças em Timor-Leste. As pessoas de aqui são muito acomodadas, sem iniciativas e sem vontade de um real desenvolvimento. Nem sequer falam sua língua oficial. E agora ainda pretendem que a ONU de cá saia, pois acreditam ter autonomia. Nem sequer sabem o que é ter autonomia. O que salva por aqui são as cooperações internacionais. Sem elas não sobrevive-se por cá.”

(Sementes como estas são jogadas a todo instante em Timor, a ponto de atingirem uma força que chega as raias da verdade... só que ao contrário!)

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Mosaico III


“- Professor, muito obrigado pela oportunidade de visitar o Museu da Resistência. Nem parece Timor-Leste! Tudo muito bonito, muito explicativo e muito real.
- Mas por que não parece Timor? É a história de vocês! Não entendi.
- Está tudo muito bonito. Muito organizado. Parece que é outro país!”

(E brilhavam os olhos do rapaz ao perceber seu país com um tratamento até então dado apenas aos países estrangeiros... algo bonito... admirável... distante... e, agora, ali... presente... Timor!)

“São tão rústicos e simples que custa-se a crer que conseguiram sair dos conflitos. A forma como se portam, as unhas compridas dos homens, a cuspir no chão... as risadas estridentes... tudo parece comportamento quase animal.”

( E meus olhos brilhavam num misto de ódio e pena daqueles que pararam no tempo sem perceber que agora a realidade é outra.)

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Mosaico II


“- Então, Agostinho, faz assim... reescreva esse seu texto, com bastante atenção às minhas sugestões sobre os plurais, os verbos e a escrita de algumas palavras. As ideias estão ótimas e você entendeu o que eu havia perguntado, agora é só fazermos esses ajustes no texto e ficará perfeito. Parabéns!
- Professor, muito obrigado pelas correções (beija a mão do professor). Vou fazer as correções que o professor pediu e depois posso colocar no mural?
- Claro, Agostinho. Sãos suas ideias, mas todos nós temos o direito de conhecê-las, se você quiser compartilhar conosco. Sem dúvida é muito importante.
- Se eu digo as minhas ideias e se todos os colegas também digam as suas ideias teremos muitas ideias para discutir e escolher as ideias que serão de todos nós, professor. Assim podemos ajudar Timor-Leste!”
(Na sua beleza e simplicidade, um aluno me ensina os princípios da democracia)

“Este povo é preguiçoso e não quer fazer nada para que este país saia da pobreza que tem. Se não fosse os estrangeiros aqui, nós portugueses, os australianos, os europeus de um modo geral, não sei o que seria deste país. Os alunos não possuem problemas linguísticos apenas, mas cognitivos. Não conseguem aprender adequadamente e nem querem fazer um esforço, caraças!”
(Na sua grosseria e prepotência, uma professora me ensina os princípios do colonialismo)

domingo, 4 de novembro de 2012

Mosaico I


“Professor, os malais só tem que vem pra Timor-Leste para ajudar os timorenses. Se não for para ajudar eles não devem de vir. Porque Timor-Leste é a nação mais nova do mundo e precisa de ajuda das nações irmãs para se desenvolver. Timor-Leste agora é terra de paz, de construção. Por isso os timorenses dizem ‘Adeus conflito, bemvindo desenvolvimento’, para que a nação timorense em conjunto com as nações irmãs da CPLP possam seguir adiante, crescer e desenvolver para os timorenses.”

“Nós, portugueses, temos orgulho de manter ótimas relações com as ex-colônias. Todos têm a ganhar com isso. Nesse momento, Portugal passa por uma das maiores crises econômicas de sua história e as ex-colônias são oportunidades de trabalho muito importantes para nós. Em contrapartida, nós podemos ajudá-las a tornarem-se nações melhores, se calhar, bem desenvolvidas!”

(Confronto de falas e falares que despertam fortes sentimentos)

sábado, 13 de outubro de 2012

Relatos Timorenses X


“Eles me levaram para uma sala com pouca luz. Eu estava há três dias sem dormir direito depois de que me levaram para aquela prisão em Jakarta. Tiraram a minha roupa e me sentaram em uma cadeira de ferro no meio de um chão com água. Ali colocaram fios de eletricidade nos pés da cadeira e cada vez que me faziam uma pergunta, davam choque elétrico em mim. Eu berrei muito, mas não disse nada que eles queriam. Depois eles botaram os pés de outra cadeira em cima dos meus pés e sentaram em cima. Continuaram as perguntas, mas não respondi.  Naquela altura eu já estava muito cansado e ferido. Então eles colocaram um ferro que estava muito aquecido e vermelho como fogo em minhas costas, bem aqui, professor (virou-se e mostrou-me as marcas de queimaduras). Mas eu não respondi nada, professor. Porque se queremos ser resistentes aos dominadores e defender o nosso povo, não podemos ser fracos... não podemos desistir... precisamos merecer a confiança de nosso povo e lutar até o fim. Eu não precisei morrer, mas alguns colegas morreram... muitos morreram, para que Timor-Leste existisse hoje.”

(Este homem é professor de Direitos Humanos em duas universidades timorenses além de conduzir uma instituição que auxilia os jovens timorenses quanto à escola e o trabalho informal)

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Relatos Timorenses IX


“Professor, quando alguém vai casar tem que pagar o barlaque que é da nossa cultura. É uma forma de valorizar a mulher. O homem e sua família dão o barlaque para a família da mulher. Para pagar o barlaque deve se dar búfalos, porcos, cabritos e dinheiro. Cada distrito tem um valor diferente para o barlaque. As famílias combinam os valores e acontece a cerimônia de entrega do barlaque e para fazer o compromisso do casamento (noivado). Toda a família do noivo e toda a família da noiva são convidados, também os amigos e outros convidados. Acontece as orações e os votos do noivo e da noiva. E acontece uma refeição com muitas comidas e bebidas para todos. É muito bonito e importante. Depois passa o tempo para preparar o casamento e os noivos se casam com a bênção de Deus, como tem que ser.
- Então o barlaque tem valor diferente dependendo do distrito timorense?
Sim, professor. O distrito de Lospalos é o mais caro de barlaque. (muitos risos!) Para casar com as mulheres de lá os homens tem que ter muito dinheiro. (mais risos!) As mulheres de Lospalos são mais valiosas! (risos altos!)
- E onde é que é mais barato o barlaque?
Em Oécussi, professor. Lá é distante. Pouca gente quer ir para lá casar. Então é mais barato! Coitadinha das mulheres de Oécussi, professor! (muitos risos)
- Não parece a vocês que os homens compram as mulheres para serem suas esposas e depois elas têm que obedecer a eles durante toda a sua vida?
Não professor, a mulher que recebe o barlaque é valorizada... foi escolhida especialmente. Em troca ela dedica-se ao marido, aos filhos e ao lar. O barlaque é da nossa cultura, professor. É muito importante para construir as famílias de bem.
- E os meninos, o que pensam do barlaque?
Eu quero, professor, trabalhar e poder ter condições de pagar o barlaque de uma mulher que é muito especial para mim. Um homem que não consegue isso professor, é um coitadinho. Não cumpriu seu dever de homem de bem.”

(Uma de minhas aulas com alunos de Geologia e Petróleo sobre as questões culturais timorenses e que, como tantas outras aulas, balançaram minhas verdades e me transformaram em um grande ponto de interrogação!)

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Relatos VIII


“- Eles vinham em bandos, entravam em nossas casas, destruíam os móveis e as poucas coisas que havia. Quebravam as janelas e levavam as pessoas para fora. Algumas eles matavam, outras eles levavam presas. Por fim colocavam fogo nas casas, nos lençóis e nas roupas dos armários. Nossos animas e verduras eles levavam para alimentar os outros soldados. Meu pai eu vi morrer no terreno ao lado de nossa casa quando ele tentou impedir um soldado de bater em minha mãe. Meu irmão mais velho foi levado pelos cabelos para dentro de uma carrinha e eu nunca mais vi. Eu, minha mãe e minhas irmãs fomos para um campo de prisioneiros. Lá eu lembro que tinha muita fome e que fiquei doente.  Um dia a comida era casaca de batatas cruas dentro de uma bacia com água quente. Os soldados chamaram de sopa de legumes. Eu fui levada para um posto hospitalar da cruz vermelha. Lá eu me recuperei e só muito tempo depois eu reencontrei minhas irmãs.
- E  sua mãe? Não a viu mais?
- Não! As minhas irmãs disseram que ela ficou doente e morreu no campo dos prisioneiros. Seu corpo foi queimado junto com os outros doentes que morreram. Assim os indonésios faziam para não espalhar a doença para as pessoas.”

(Eu me segurava para não chorar, ela, professora universitária, colega timorense, contava sua história com um orgulho de ter algo que comprovasse que era especial, afinal, ela havia sobrevivido a tudo aquilo e, hoje, estava se preparando para desfrutar de uma bolsa de estudos para seu doutoramento em Portugal)

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Relatos Timorenses VII


“O governo só pensa em dinheiro. Nas riquezas do petróleo, da Austrália e dos países desenvolvidos. O governo não pensa no povo. E foi o povo que fez o governo. As pessoas que fazem o governo hoje são pessoas do povo. Mas que estudaram fora de Timor-Leste. Tiveram oportunidades  e saíram daqui. Muitos fugiram na dominação Indonésia e depois voltaram. Pessoas que puderam conhecer ciência e tecnologia. Fazer cursos de Mestrado e Doutoramento e voltaram para Timor-Leste depois da independência. Essas pessoas acham que são mais importantes que o povo. Falaram que queriam ajudar o povo timorense e viraram políticos, chefes, ministros e secretários de estado. E parece que esquecem do povo e das dificuldades do povo. Mas o povo timorense não vai deixar ser assim por muito tempo. Demorou 25 anos para tirarmos a Indonésia de Timor-Leste com o sangue dos nossos heróis. Se o povo não perceber mudanças positivas, vai também tirar daqui o governo que não faz o que precisa fazer.”

(Assim me disse um professor da universidade, líder comunitário e que foi preso e torturado durante a ocupação indonésia)

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Relatos timorenses VI


“ Eu não sei falar muito bem Língua Português. No tempo da Indonésia era proibido então os timorenses não podiam falar Língua Português. Na escola primária e na secundária só falava Língua Tétum e Língua Indonésia. Agora na escola da universidade tem que falar Língua Português. Mas tem professores que não falam. Tem professores que dá aulas em Língua Indonésia, porque dominação Indonésia. Tem professores que dá aulas em Língua Tétum, porque língua oficial Timor Lorosae. Tem professores que dá aula em Língua Inglês, porque ONU e porque Austrália. Agora tem professores que dá aula em Língua Português, porque de novo os portugueses estão em Timor-Leste. Também o governo timorense decidiu que Língua Português é também língua oficial de Timor-Leste. Professor, qual outro país vem para Timor-Leste e vai obrigar os timorenses a falarem sua língua? Aqui é sempre assim!”

(Um aluno, em uma de minhas aulas em que estávamos discutindo o porquê do ensino de português em Timor-Leste)

sábado, 29 de setembro de 2012

Relatos Timorenses V


“Eu só pude ir para os estudos depois de 2002, quando chegou a Independência. Então, àquela altura, fiz meus estudos secundários e estudei minha Licenciatura no Liceu de Díli. Trabalho na escola primária e secundária ensinando os direitos humanos, a língua tétum e a moral e a cidadania. E hoje, professor, depois de tanto sacrifício, consegui ser um professor da Universidade! É com muita alegria que consegui chegar nessa posição importante. Ainda não tive condições para fazer o curso de Mestrado, mas vou fazer um dia. É uma vontade minha, como um sonho, poder estudar mais para ajudar os jovens de Timor-Leste. Mas, professor, ainda não sei usar o computador. Será que o senhor poderia me ensinar? Eu posso ir à sua casa, aos sábados, e o senhor me dá umas aulas para eu poder progredir usando o computador. Pode, professor?”

(Assim comecei a dar aulas de “informática” a um professor timorense nas tardes de sábado. Na primeira aula, ele trouxe-me um presente: um “tais”, que é um tecido típico cheio de histórias e encantos. Desde o pedido, passando pelo presente ganho, até a escrita desse relato, tenho os olhos rasos d´água. A simplicidade da vida diante da mediocridade humana tem me trazido grandes lições. Gratidão sempre!)

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Relatos IV


“Professor, eu não concordo com religiões que gastam milhões na construção de seus templos, enquanto muitos de seus fiéis passam grandes necessidades. Uma das coisas que devemos aprender é a simplicidade, pois não há quem seja mais que ninguém, professor. Eu até quis seguir a vida religiosa, mas não posso me comprometer com algo que não concordo. Por isso sigo a minha crença, a minha fé e pratico aquilo que aprendi nas filosofias. Tento ajudar os pobres e necessitados, ensinando-os a plantar, a conviver, a valorizar sua terra e sua gente e a viver em irmandade, compartilhando o que têm e praticando a alegria. Aqui em Timor-Leste muito se lutou pela Independência... muitos morreram por uma ideologia de vida e agora o que vejo é políticos querendo prender novamente o seu povo em um sistema que não é justo para todos. Nossa liberdade é abraçarmos nossa terra e nossa gente. É cuidarmos de nossos doentes, de nossas crianças, de nossos homens e mulheres. Darmos à terra aquilo que quisermos dela e vivermos em alegria com aquilo que temos. Somos todos irmãos e precisamos mostrar essa nossa força, que é maior que qualquer dinheiro. Isso que faz uma nação!”

(Trecho de uma aula de vida, que veio do fundo das emoções de uma lutadora pela paz.)

domingo, 23 de setembro de 2012

Relatos timorenses III


“... nós não queremos a ONU em nosso país porque na verdade eles nada fazem ou podem fazer por nós. No momento da Independência havia uma necessidade internacional para a ONU estar aqui. Quando mais sofríamos, tendo muitos timorenses morrido, o que tivemos foi o seguinte: Portugal nos abandonou para tratar de seus problemas pátrios, a Indonésia nos invadiu de forma dramática com armas compradas dos Estados Unidos... a Austrália não achava interessante um país com ideias socialistas, ninguém nos quis defender, nem o Brasil. A ONU existiu para melhorar a consciência mundial e porque Timor-Leste tem petróleo e outras riquezas.
Hoje não precisamos mais da ONU. Ela não resolve nada aqui em nosso país. Precisamos de cooperação tecnológica e de muito respeito das nações para conseguirmos crescer da nossa forma. Com os nossos interesses e a nossa cultura. Não precisamos de nações nos explorando mais. Nossa riqueza maior é o nosso povo e para eles é Timor-Leste. Eu seria muito infeliz, professor, se visse meu país nas mãos de outra nação novamente.”

(Assim se manifestou o senhor que cuida do jardim da Faculdade onde trabalho, em bom português e alto grau de emoção)

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Relatos timorenses II


“- Professor, Timor-Leste vive hoje como um jovem. O que querem os jovens? Aproveitar sua liberdade. Mas isso sempre é perigoso, não é professor? Eu sou mãe de dois rapazes e vivo dizendo a eles que estudem, que consigam trabalhar e que formem uma família respeitosa. Porque o pai deles, seus tios e muitos amigos nossos tiveram que passar pela dificuldade dos massacres de Timor. Meu marido morreu no massacre de Santa-Cruz. E não puderam ver o país livre da Indonésia. Mas meus filhos podem e vão criar os seus filhos com liberdade. Professor, Timor-Leste não precisa ser rico com o dinheiro, precisa ser rico com o respeito aos direitos humanos. Eu vi meu pai ser torturado e morto. Eu e meus irmãos. Foi Deus, nosso senhor, que não permitiu que eu fosse morta. Passei muita fome no campo de prisioneiros. Algumas amigas minhas foram abusadas pelos soldados indonésios. Eu sempre fui feia e isso me salvou. Os timorenses que tinham dinheiro naquela altura já haviam saído de Timor-Leste. Então, professor, não é a riqueza que nos salva, não é a beleza, é a dignidade.
- Mas a senhora disse que seu pai foi morto, seus irmãos, amigos, até seu marido. Por que eles não foram salvos?
- Professor, a dignidade é uma arma muito forte que assusta as pessoas. Os soldados indonésios tinham medo da dignidade timorense. De sua crença religiosa, de sua vontade política. Toda a gente queria Timor-Leste um país com igualdade para todos. Isso assusta. E os soldados tinham as pistolas e outras armas na mão. Para se defenderem da dignidade, matavam as pessoas. Muitas pessoas morreram defendendo a dignidade das pessoas que ficaram vivas.
- E hoje? A senhora acredita que foi válido todo esse sacrifício?
- Não precisava ser assim, professor. Mas a vontade do dinheiro faz as pessoas ficarem malucas e matarem até mesmo as pessoas para terem mais dinheiro. Então, por isso mesmo, é importante que as pessoas lutem por suas vidas, pela vida de suas famílias e amigos. Ou então vamos ser escravos dos mais fortes, não é mesmo, professor?”
(Conversa com uma aluna de 36 anos com aparência de 50 e que hoje trabalha no ministério da Educação em Timor-Leste)

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Relatos timorenses I


Eu era informante das Falintil. Vinha para Díli clandestinamente buscar documentos e informações para as tropas que estavam escondidas nas montanhas. Buscava com os padres, com os estrangeiros e com pessoas que nos ajudavam, alimentos, jornais, armamentos, cartas, tudo o que fosse preciso. Numa dessas minhas vindas, eu fui preso. Eu, minha esposa e nossas duas filhas. Fomos conduzidos a um campo de prisioneiros. Não sabiam que eu era informante das Falintil, por isso nada de pior me aconteceu. Nós tínhamos muito pouco alimento e água. Tudo da pior qualidade. Muitos prisioneiros adoeciam e morriam por causa disto. Foi o que aconteceu com minha esposa. Ela foi ficando cada vez mais magra e fraca até que um dia não resistiu e morreu. Três semanas depois, minha filha mais velha também não resistiu à fraqueza, à tuberculose e a falta de alimentos e medicamentos, e morreu. Eu, apesar de doente e fraco, consegui resistir, talvez porque havia minha filhinha de apenas 2 anos e que não teria ninguém para ampará-la. Quando tudo acabou, eu e ela fomos para meu distrito, Baucau, para recomeçar nossas vidas. Não chore não, professor. Cada um de nós tem que ser feliz com a história que tem para contar. Pergunte ao General Suharto e aos soldados indonésios as suas histórias. Essas sim são tristes, coitados!

 Deus permitiu que sobrevivêssemos a tudo aquilo, então devemos ter gratidão por esse presente: a vida. E veja bem, professor, como a vida e Deus são infinitamente sábios e bons, uma das filhas se foi para cuidar da mãe e a outra ficou comigo para me amparar na velhice. A guerra, professor, é triste, mas por causa da maldade humana ela é necessária para lutarmos por nossa dignidade. A vida sempre nos recompensa de alguma forma. Eu aqui vou trabalhando por um Timor-Leste de bandeira vermelha de sangue, mas livre. Minha esposa está no céu ajudando a proteger nossa família e nossa nação. Temos um exército de guerreiros aqui na Terra e um exército de anjos no céu. Não é lindo isso, professor!

(Relato de um professor timorense, ao voltarmos do campus distante da Universidade, em meio ao seu sorriso de felicidade e ao rio de lágrimas que me corriam a cada som pronunciado)

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Enquanto isso, na sala de aula...


Ouço sempre colegas de profissão reclamarem de seus grupos de alunos, ou porque são numerosos, ou porque o grupo é muito heterogêneo com vários níveis de conhecimento, ou porque são indisciplinados... enfim, as queixas são muitas e longe de mim dizer que são sem fundamento. Muito pelo contrário, fico muito indignado com o fato de o educador ter que se desdobrar em diversos profissionais – psicólogo, antropólogo, acrobata e até sacerdote – para poder conduzir um trabalho satisfatório com seu grupo de estudantes.
No entanto, pratico em minhas meditações pedagógicas a reflexão desta diversidade e algumas ideias vão se assomando aos conhecimentos que construo em meu cotidiano profissional e que quero, aqui, compartilhar com vocês.
Primeiramente, uma sala de aula numerosa é um grande polo de seres humanos – pensantes e sentintes, como sabiamente diz Drummond – e que, se bem organizados e com boa orientação, podem vir a se tornar um grupo forte, participativo, crítico e, portanto, algo que não se quer no cenário social. Sendo assim, os governos entulham as salas de aula com mais seres humanos, pagam mal aos professores e auxiliam nossa classe a perpetuar a ideia de que é impossível fazer um trabalho satisfatório nessas condições. Resultado: o caos e o despropósito que está a Educação!
Por outro lado, a heterogeneidade que permeia as salas de aula, a disparidade de conhecimentos e a falta de informações claras por parte de uma grande maioria consistem em um campo fértil para a promoção de grandes discussões dada a multidiversidade de pensares, o multiculturalismo e as possibilidades de se questionar verdades, ciências e dogmas tão apregoados nos currículos escolares, mas nem sempre claros – para alunos e professores – de suas reais necessidades e eficácia. Isto tudo, associada ao despreparo e a desmotivação dos profissionais da educação que, diga-se de passagem, é estratégia política de manipulação de massa, perpetua a falácia da impossibilidade de um trabalho satisfatório. Resultado: o caos e a insanidade praticados na Educação em seus mais variados níveis!
Por último, mas não menos importante (chavões são feios, portanto cabem no teor deste texto), com relação à disciplina nas salas de aula, eu só questiono quanto ao que se entende por disciplina. E ainda, como podemos cobrar disciplina dos alunos se o próprio sistema é indisciplinado?
Explico-me. Disciplina, de acordo com o dicionário Houaiss, é o controle comportamental de um grupo social regido por determinadas regras, cujas infrações estão sujeitas a penalidades igualmente reguladas por normas e leis comuns ao grupo social. Eu poderia começar uma sonora gargalhada, bem ao estilo da Mafalda, de Quino, mas prefiro comentar alguns aspectos que aqui percebo. É regra (lei) que todos têm direito à educação pública e gratuita! Todos os governos possuem um percentual orçamentário para o que diz respeito à Educação! Dinheiro público, advindo do pagamento de impostos e fontes de arrecadação “lícitas” devem ser destinados ao bem estar do povo! A escravidão é crime – já resolveram dividir por dia o que ganha um professor da rede pública e descontar despesas básicas como moradia, transporte, alimentação entre outras? Devemos ensinar conteúdos significativos e contextualizados de acordo com o entorno social do aluno! A sala de aula é um espaço democrático! A escola deve formar cidadãos críticos, questionadores da sociedade em que vivem! A escola tecnicista que formava mão-de-obra para enriquecer os bolsos empresariais foi considerada pelos sábios da educação como insatisfatória quando se quer formar cidadãos críticos! O ambiente despreparado das instituições de ensino, a falta de alimentos para a população de baixa renda, a falta de recursos higiênicos constituem desrespeito à condição humana! Impor saberes previamente selecionados de forma duvidosa não é exatamente educação democrática!
Com base nessas afirmações e em muitas outras que poderiam ser aqui colocadas, podemos agora começar a discutir onde começa a indisciplina na sala de aula?
Achar culpados é tão religioso quanto inútil para resolver problemas. Assumir responsabilidades parece-me algo mais sensato! Resta saber se quem se digna a assumir governos, educação e sala de aula estão dispostos a encarar o que juraram diante de testemunhas um dia!
Aqui em Timor, meus amigos, não é diferente. A minha luta pelo respeito à Educação, com a convicção de que é através dela que podemos transformar caos em dignidade, continua também por cá. E cada vez que me deparo com os despropósitos políticos, com a corrupção descarada e com a falta de respeito à educação e aos educadores e alunos, mas me torno convicto de que este é o caminho e por isso os governantes fecham os olhos... Na realidade eles têm medo do que pode ser feito deles quando o povo “acordar”!
Timor tem diversidade em suas salas de aula, muito mais e mais acentuada do que tinha em minhas salas brasileiras. Timor tem turmas numerosas, em condições rudimentares de ensino, alunos desnutridos e com dificuldades de transporte e moradia. Timor tem corrupção, despreparo administrativo – governamental e institucional – tem descaso com a educação e com os educandos e educadores. Timor não tem indisciplina em sala de aula, porque os alunos são coagidos a respeitarem regras e pessoas, quer por “argumentos” religiosos, quer por “argumentos” sociais. No entanto aqui se vê o brilho nos olhos daqueles que querem sim ter o direito de aprender, que acreditam poder ajudar o seu país a ser um local próspero, de paz e com justiça social...
Sabe essas utopias que eu e os educadores acreditam? Pois então... bem essas... que passam longe dos relacionamentos de fachada... longe dos contratos superfaturados... longe dos interesses daqueles que fazem da política profissão e de suas canetas uma arma contra o pensar, o sentir e o fazer democrático!

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Seis meses...


Seis meses em Timor... já é uma pequena caminhada! Embora pouco possa ser feito em apenas seis meses, sinto-me muito diferente daquele que aqui chegou em fevereiro. Claro que na essência sou eu mesmo, que minha teimosia taurina permanece e que os ranços mais densos da minha personalidade foram raspados, como assim tenho feito a cada dia de vida. Mas com certeza posso perceber alterações significativas tanto no Alexandre, aglutinando o ser humano e o profissional, quanto em minha visão a respeito deste país que, conforme já disse aqui inúmeras vezes, surpreende pelos paradoxos.

O Alexandre renovou-se bastante. Minha visão do papel do trabalho na vida é bem diferente daquela que tinha há um ano, por exemplo. O ritmo alucinado e quase escravocrata que nos impõem no Brasil capitalista e consumista de hoje nos afasta das pessoas, do lazer, da cultura, do descanso, nos adoece física e psicologicamente e nos atira num turbilhão de incoerências chamado sociedade. Paralelo a isto, a máfia em que se tornou a academia brasileira, as competições dentro da carreira e o academicismo medíocre fazem com que a Universidade, idealizada como fórum de discussões e busca por soluções para os problemas sociais, seja hoje um grande circo dos horrores, no qual poucos “carregam pianos” pesados e se preocupam realmente com os princípios universitários, e muitos, infelizmente, motivados por suas vaidades e sede pelo consumo, escalam-se uns aos outros, segregam, marginalizam e direcionam holofotes aos seu próprio ego, brincando de deuses de uma das maiores responsabilidades sociais: a Educação!
Aqui, longe dos apelos consumistas mais fortes, longe da lógica ocidental atordoada e infeliz e, principalmente, longe da disputa do Olimpo Universitário, sinto-me útil, cumprindo meu papel, contribuindo e realmente sentindo as diferenças que tenho feito na vida de pessoas e instituições. Sinto-me profissional e não escravo do meu trabalho. Sinto-me ser humano e não uma peça de jogo nas mãos de déspotas irresponsáveis!

Por sua vez, Timor-Leste tem hoje novas cores para mim. Está longe de ser o meu lar pois minhas raízes brasileiras são muito fortes. Mas entendo bem mais o Timor e, portanto, percebo nuances diversas daquelas iniciais. Os timorenses não são apenas um povo que sofreu com guerras, um povo primitivo ou atrasado... os timorenses são pessoas forçadas por inúmeros interesses a abandonarem a sua cultura e assumirem um ritmo, um padrão e valores diferentes dos seus próprios. Eles não passam fome, se alimentam como acham que deve ser e que o mundo capitalista chama de sub-alimentação. São desnutridos para os nossos padrões, mas vivem bem apesar disso e se não vivem melhor é porque culturas estrangeiras contribuíram pouco para seus hábitos alimentares. Moram com simplicidade, pois simples é a vida que querem pra si, mas estão se vendo forçados a, pouco a pouco, entrarem no ritmo capitalista de consumo de conhecimento, competição no mercado de trabalho e consumo de bens que antes ignoravam a existência. Assumiram religião, língua e costumes que não são os seus, porque os ensinaram que são importantes, fundamentais, melhores ou coisa do gênero.

Timor-Leste é hoje, para mim, um motivo de constante reflexão, um poema inacabado e um campo de muito trabalho, muito mais para mim do que para o país em si. Não é meu lar, como disse antes, aqui sou estrangeiro e penso que é bom me sentir assim... mas é um lugar pronto para o respeito daqueles que o compreendem e, se possível, para alguma colaboração naquilo que os timorenses entendem que seja necessário.

Vamos ver como serão nos próximos meses...

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Linhas de outrem - meus pensamentos


Hoje me chegou ao conhecimento umas linhas bem fortes que compartilho pois acho pertinente aos meus escritos daqui e ao que vivo neste país maravilhoso e turbulento que é Timor-Leste.
“Nasci, pois, com todos os atributos para ser um triste, um rústico, um insubmisso, um revoltado. E obedeci, na infância e na adolescência, a essa predestinação. A Vida é que, com as suas esporas de aço, rasgando-me as carnes, subjugando-me os ímpetos, domesticou, pouco a pouco, este poldro selvagem.” Humberto de Campos

Loron diak!

domingo, 15 de julho de 2012

Confissões de um viajante


Conhecer um pouco mais sobre o “modus vivendi” e a cultura Indonésia, após ter estudado um pouco aquele país em minhas caminhadas por lá, algumas reflexões me ocorrem, nada definitivo, mas que abrem caminhos para novos pensamentos e ideias sobre o Timor-Leste e sobre as transformações que ocorrem em minha vida neste ano de 2012.
A Indonésia se descortinou para mim de forma caótica, fantástica e revoltante. Explicarei. O fato de haver muitos habitantes por km² (mais de 230 milhões de habitantes), em suas quase 16 mil ilhas, faz com que a administração pública seja algo realmente complexo. Como se não bastasse tais números, o país apresenta o agravante religioso islâmico, hindu e budista que, por si só, são complexidades esplêndidas. Isso torna o país um tanto quanto confuso e interessante, ao mesmo tempo desesperador.
O trânsito é algo que não há palavras para descrever, apenas uma dúvida: como milhares de motocicletas transpassando filas intermináveis de carros não chocam-se umas com as outras ou ainda com os transportes informais locais, tipo, bicicletas com cadeirinhas na frente conduzindo turistas e moradores, tuk-tuks (pequenas motos com cabine para passageiros) e charretes??? Bem, é assim... tudo isso, o tempo todo, em todas as ruas a balburdiar a cidade de forma exaustiva e terrível. Se não são engarrafamentos infinitos – como em Jakarta – é um fluxo pesado e contínuo de veículos, a ponto de não se conseguir atravessar uma rua. Solução? O governo conseguiu alguns paliativos construindo passarelas de pedestres em diversos locais. Transporte público de qualidade? Pra quê? Faixas de pedestre, semáforos e leis de trânsito? Por quê?
O Brasil conseguiu uma política de formação de condutores e legislação de trânsito considerável. Mas, enquanto muitos países da Ásia têm investido pesadamente em transporte público seguro, acessível e de qualidade para diminuir o fluxo de veículos nas ruas, o Brasil nem barateia os impostos dos veículos, nem oferece o transporte público decente. E  Timor???? Bem, este herdou a confusão de trânsito que há na Indonésia e a incompetência administrativa portuguesa (que é evidente em nosso país também).
Aqui em Timor as buzinas e a displicência são os mesmos que vi nas ruas da Indonésia, onde, também, andar de táxi é uma aventura sempre radical! Isso sem contar nos motoqueiros que parecem sempre estar fugindo da morte!
Outro aspecto interessante da Indonésia é a diversidade religiosa – que não nos espanta no Brasil – mas que por aqui se concretiza pelas três facções dominantes: o islamismo, o budismo e o hinduísmo. São três grandes forças culturais mas que movimentam todo o país, quer no aspecto cultural, quer no turismo e comércio, ou mesmo na política financeira, na qual o islã surpreende pela suntuosidade de suas mesquitas e bancos! Tanta diversidade assim, com seus ritos e crenças particulares que refletidas no comportamento social do povo e nos exageros dogmáticos existentes, chamam a atenção de nós que assistimos a tudo de fora, nos fazendo ter algumas impressões interessantes.
O islamismo marca-se pesadamente pela sua arte arquitetônica e pela arte na grafia, não se permitindo expressões artísticas que reproduzam o ser humano, o que só Alah pode fazer. Preservam seus espaços religiosos, seus ritos e mostram a sobriedade e a força de sua crença na vida das pessoas, por véus e burcas e chamadas para rezas a cada hora ímpar. São fortes em sua postura e marcam seus espaços com veemência. Isso tudo contrasta com o politeísmo colorido e hospitaleiro de templos budistas e hinduístas, com o perfume dos incensos e com as vestes chamativas indianas, com o dourado de budas alegres e o colorido multiforme e psicodélico dos inúmeros deuses hindus. As flores e as frutas ofertadas no hinduísmo, o culto aos antepassados no budismo e o sorriso com que nos conduzem aos seus lugares sagrados nos deixam bastante confortáveis nesses espaços.
No Brasil eu vejo uma forte bancada evangélica conservadora e retrógada tomando conta de espaços políticos e manipulando importantes avanços sociais “em nome de Deus”, tal como o islã tem feito. Não é a preservação de uma crença religiosa, mas o controle de um comportamento social, em outras palavras, uma dominação imperialista como outra qualquer. As demais religiões não são tão representativas, umas por que não convém pois teriam que sair de sua zona de conforto, outras por que são tratadas como marginais e inferiores, como se muito pastorzinho que tem por aí também não acendesse suas velas e batesse seus tambores para alcançar “uma graça”.
Em Timor, a crença católica é rigorosa, conservadora, controladora e dominadora. Se sobrepôs às práticas religiosas tribais existentes no passado com o pretexto da difusão linguística portuguesa e do refrigério espiritual frente a tantas guerras existentes. Está tão presente na política do país, como o islamismo nos países muçulmanos e os evangélicos no Brasil. Inclusive praticando as mesmas incoerências e desmandos, impondo seus dogmas tal e qual, pois é controlando e disciplinando que se formam os exércitos de formiguinhas a levar comida para a formiga-rainha. Mas não podemos esquecer que religião é um fator cultural e, portanto, deve ser respeitado!
Mas a Indonésia fascina. O caos é um alerta e um convite à reflexão. A diversidade religiosa é um toque de arte, de cor, de perfume, de música, de movimento e de amor que, em sua filosofia nos deixa encantados, e em sua prática humana mundana, revoltados. Tudo isso num contexto de sabores picantes e exóticos, adornados por paraísos naturais diverso que vão desde os inúmeros vulcões ao paraíso cristalino de mares, praias e verdes recantos. Um país cujo povo sustenta a bandeira da Independência dos holandeses conquistada à força, um país que sofreu a invasão japonesa durante a segunda guerra e que, apesar de ter sofrido toda essa opressão, diz ter sido “forçada a anexar o território de Timor-Leste, dadas as condições instáveis daquele país e atendendo a pedidos de lideranças políticas timorenses.” – Palavras lidas no Museu Nacional da Indonésia, em Jakarta, no Monumento à Independência, Merdeka Square.
Parece irônico, mas é apenas humano e bem corriqueiro... se fizeram comigo, posso fazer com os outros!
Viajar amplia os horizontes!

Loron diak hotu-hotu!

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Apagando o quadro...

Aqui em Timor, cada vez que eu apago o quadro, com uma flanela ou apagador precário, minha mente voa em frações de segundos. Por um lado tantos problemas sociais, tanta pobreza, tantas dificuldades. Por outro eu tentando malabarismos e acrobacias pedagógicas para fazer os alunos compreenderem e se comunicarem em língua portuguesa.
O sistema educacional aprisiona as almas em regras pré-estabelecidas por uma sociedade elitista caótica e incompetente. Mas é esse o sistema considerado o correto. Estabelece-se a hierarquia dos saberes, elenca-se as verdades científicas a serem discutidas e formata-se modelos rígidos que escravizam, catequisam e classificam melhores e piores.
Este povo, que não teve direito ao respeito e à liberdade é, agora, compelido a entrar em um sistema duvidoso para ganhar respeitabilidade enquanto Nação. Para tal, recebe a “ajuda” de profissionais estrangeiros que, ainda que alguns tenham boa-vontade, trabalham dentro dos conceitos e parâmetros quase que opostos aos presentes por cá. Impacientam-se, indignam-se e chateiam-se com as dificuldades do chamado “ritmo timorense”, lento e metódico. Mas não desapegam-se dessa total prepotência aprendida nas academias de todo o mundo, recusando, mais uma vez, o respeito tão merecido ao povo e à cultura timorenses.
Parece-me que o exercício da tolerância está longe de tornar-se entendido, quiçá de ser praticado. Parece-me ainda, que as sutilezas da educação nem sequer chegarão a ser percebidas por cá num certo espaço de tempo, visto que nem mesmo o obvio é entendido pelos profissionais da educação. Mas parece-me que tudo isto, por algum motivo e de alguma forma é extremamente necessário e relevante, e ainda fará história nesta cultura de cá, na cultura brasileira e na cultura lusófona de um modo geral.
Se assim não for, continuo apagando o quadro, para escrever novamente e de novo apagá-lo, num processo contínuo de construir novos caminhos, novas perspectivas e alcançar algum entendimento.
Educar e ensinar não são tarefas fáceis, definitivamente. Não exigem de nós estudo apenas. Mas necessitam de constante “refazer de ações refeitas”, num exercício cansativo de tolerar o que é diferente, o que provoca nosso orgulho e egoísmo e, que, na verdade, nos impede de realmente aprender e, como já dizia o mestre Paulo Freire, de repente ensinar!

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Língua Portuguesa em Timor-Leste: Paradoxo Brasil e Portugal!

“Revolta, raiva ou similar” seriam os melhores termos para expressar um sentimento que tenho, mas talvez isso anularia o que venho desenvolvendo dentro de mim ao longo de anos no que diz respeito à espiritualidade. Uso portanto “indignação”, que é politicamente correto, satisfaz os meus desgostos e contribui para a possibilidade de alguma mudança.
Os nossos colonizadores portugueses, sua postura dominadora exploratória, seus interesses desumanos e sua incompetência administrativa têm sido evidentes na história de muitas vidas e países ontem, hoje e sei lá eu por quanto tempo.
No Brasil, exploraram e mataram centenas de nativos indígenas sob o argumento exploratório desrespeitoso. Fundaram vilas e cidades colocando cidadãos de índole duvidosa para “administrá-las” de forma a atender o enriquecimento da coroa. Como não sabiam - e nem queriam saber – desenvolver trabalho braçal pesado, cruelmente escravizaram cidadãos africanos, impondo-lhes língua, cultura e credo, da forma mais animal e aterrorizante possível,  que nem Hitler teve competência carnívora para apagar. Forjaram uma independência, pois não conseguiam mais “dar conta” de um país grande e diverso como o nosso, venderam-no para a Inglaterra e deixaram em nossas terras um legado de problemas, injustiças sociais, crueldades e baixarias que amargamos até hoje.
Em Timor-Leste não foi diferente. Mesmo estando neste território desde 1560, pouco fizeram para, de alguma forma, contribuir para os nativos timorenses, se é que era necessária alguma contribuição, visto que, dentro de sua lógica de vida e necessidades, vivem muito bem, apesar de nós “malaes”. Enfim, aqui a Igreja Católica também foi usada para - e fez uso da - oportunidade colonialista. Usando as preces em língua portuguesa, auxiliaram a disseminação do idioma e ampliaram seus domínios religiosos. Enquanto a política cruel feria, explorava e matava, a “bondade” cristã acalmava corações e almas em língua portuguesa, idioma europeu mais evoluído e de prestígio. Após pequenas e desimportantes ações educacionais, somente no século XX, depois da década de 60, há um empenho maior do governo português – leia-se ditadura Salazar – em fundar escolas, trazer missionários e, claro, soldados, que contribuíram para o uso do português por cá. Conseguiram até a proeza de elevar a taxa de alfabetização – em língua portuguesa, é claro! – de 24%, em 1971, para 77%, em 1974. Quando resolveram sair do país, deixarem este ao léu, frágil e sem maiores estruturas governamentais, o que favoreceu o domínio devastador da Indonésia, em 1975, que, entre outras insanidades, proibiu o uso do português em território nacional, mas isso merece outros textos de comentários meus. Detalhe: descobriram petróleo por aqui neste meio tempo!
Hoje o que vemos é um cenário que só não é caótico porque a lógica aqui é bem outra da nossa ocidental, e eu sou uma pessoa otimista. Os portugueses ainda se acham no direito de se indignar com a dificuldade de aprendizado de língua portuguesa dos alunos timorenses. Bem, juntem o que escrevi anteriormente com a situação política-econômica em que Portugal se encontra e podemos compreender bem a situação. E que se abra aqui um parênteses com a fala do primeiro-ministro atual de Portugal dizendo que o desemprego em terras lusitanas poderia ser uma oportunidade para os cidadãos portugueses e que estes deveriam imigrar e procurar outros campos de trabalho (!!!). Bem, isto é fato! Se Portugal estivesse muito favorável, não haveria por cá tantos portugueses.
Os brasileiros, por sua vez, ainda que com boa-vontade, nem sempre se ajustam a essa realidade difícil, quer por desconhecimento, quer por intolerância, quer por falta de vontade. Os estímulos sociais em Timor para o uso do idioma ainda são tímidos perto do que deveria ser, no entanto as prioridades governamentais são outras e com isso concordo plenamente.
Já o governo brasileiro não me parece muito interessado em atuar por aqui visto que os interesses do Brasil hoje são outros, parece-me que de colônia explorada o Brasil quer assumir um papel de Imperialista no contexto internacional, ainda que a política interna, ao meu ver, seja uma das melhores que já tivemos, estando longe, é claro, de ser o que realmente precisamos.
E eu, ironicamente, estou aqu,i em Timor-Leste, na pretensão de contribuir de alguma forma para o ensino de Língua Portuguesa em nível universitário. Meus amigos, esse é o meu pretexto, porque o meu papel de educador transcende esses pormenores. Mas meu caráter crítico analista a todo dia me traz à mente a seguinte questão: “Qual a real importância da Língua Portuguesa em Timor-Leste?” Trabalho pensando nisto, ouvindo meus alunos, conversando com as pessoas, dando-me de corpo e alma a elas, tendo as energias sorvidas por um povo que ainda dorme sob os pesadelos de uma guerra que não foi esquecida e, diga-se de passagem, não se quer esquecer, pois as atrocidades cometidas ainda não foram totalmente investigadas e seus responsáveis chamados a responder por elas.
Uma coisa eu lhes digo, não defendo jamais a ideia de culpa, mas sim de responsabilidade. Somos responsáveis pelo que fazemos e deixamos de fazer – o que é uma forma de fazer – e devemos sempre ser lembrados por isso. O esquecimento não traz aprendizado, assim como a verdade nos mostra os caminhos que melhor nos auxiliaram.
Portugal e Brasil, cada um em sua particularidade, não assumiram suas responsabilidades e nem encontraram verdades que possam estar consonantes com as verdades timorenses e isso me faz questionar sempre o que aqueles países fazem por aqui, quais as suas reais contribuições para este povo, sob a perspectiva deste povo e não sob suas visões egoísticas. Teria respostas, mas guardo-as para mim, são minhas verdades, cada um tem a sua!

domingo, 13 de maio de 2012

Lição de patriotismo

Uma outra questão importante a ser discutida com base nas experiências que estou tendo por cá diz respeito ao sentimento patriota e nacionalista do povo timorense. Diferentemente de nós, brasileiros, esse povo construiu a duras penas a sua pátria. E entendam, não estou eu aqui a dizer que nós não suamos a camisa em nosso dia a dia pelo amor ao nosso país (alguns não têm mesmo!) O que acontece no Brasil é mais uma luta pela sobrevivência e uma gana por acúmulo de riquezas desnecessárias.
O que vejo aqui é algo bem diferente! Lutaram por tornarem-se independentes de Portugal – e sabemos bem do caráter exploratório desse domínio e da incompetência administrativa que os companheiros portugueses possuem (vide Macau, Goa, Angola e nós mesmos) – sofreram invasões na 2ª. Guerra Mundial servindo de ponto estratégico para ataques japoneses e, quando se descobre petróleo por cá, sofreram o massacre da ocupação indonésia comandada pelo monstruoso Suharto. Para restabelecer a Independência que já possuíam e assumirem o seu país, os timorenses pagaram com sangue e destruição, dor, lágrimas, sofrimentos sem dó... E há 10 anos começaram tudo do zero.
O hino timorense, já publicado neste blog, mostra bem essa luta... a bandeira, com um triângulo preto, que representa o obscurantismo  a ser superado, um triângulo amarelo, que representa os traços do colonialismo, marcas de um passado, e a base vermelha que toma mais da metade da bandeira, representando a luta – com muito sangue – pela liberdade do país, tendo como guia a estrela – branca – da cor da paz que eles tanto anseiam. Nos primeiros minutos do dia 20 de maio de 2002, a bandeira da ONU foi descida vagarosamente enquanto que a bandeira oficial do país foi hasteada, sob lágrimas de toda a multidão que ali se aglomerava feliz, saudosa de parentes e amigos que deram suas vidas por aquele momento.
As cicatrizes dessa guerra não sararam ainda, mas as mágoas e dores foram convertidas num sentimento que denota a ideia de que, apesar de ter sido do jeito que foi, Timor-Leste agora é dos timorenses, e com todas as dificuldades existentes, são os timorenses quem conduzirão o seu país. Aceita-se ajuda internacional, mas no leme quem capitaneia são os interesses deste povo, pois já foi duro demais deixar o país nas mãos de quem não soube o que é respeito e dignidade humana.
Com essas palavras, fica bem fácil entender porque este mês de maio é tão importante para este povo, porque enfeitam suas casas, prédios, carros, ruas, vestem camisetas com a bandeira nacional, a qual está hasteada em todos os lugares possíveis. Nem que seja de forma bem rústica e simples, a alegria deste povo em sustentar um símbolo que muito significa para o povo timorense. Uma conquista, uma dor, um orgulho... um misto de sentimentos e emoções de um povo que não canta seu hino em copa do mundo, porque não possuem time de futebol... que não faz passeata com caras pintadas, porque seus governantes, ainda que a nós não pareçam os ideias, são aclamados popularmente e apoiados por todos... um país que não proíbe seu povo de usar sua bandeira e cores nacionais como nos aconteceu no período da ditadura... um país que é pobre sim, mas que não há fome, pois o sentido de economia solidária e agricultura familiar funciona sem necessidade de reforma agrária, movimentos sem-terra, coronéis latifundiários escravocratas e desonrosos políticos e suas leis ilícitas e desumanas... É um país com poucos recursos materiais e grandes potencialidades humanas e as religiões, fortes e mais que presentes, são um refresco para a dor e um alento para a esperança, não um afronta à organização política, ou se aventurando a manipular meios de comunicação, opiniões e leis por conta de seus interesses próprios, assumindo uma nova forma de colonialismo religioso...
Meus queridos, vivendo isso tudo, não há como entender que no Brasil, o cheiro patriota que possuímos tem sido responsável por reeleger incompetentes e manter esse carnaval que aí está há anos, cuja quarta-feira de cinzas não chega nunca, pois é necessário que todos acordem cedo pra trabalhar como máquinas pois, afinal, estamos construindo o Brasil do Futuro!
Aqui no Timor, um país perdido num passado distante, sinto-me anos-luz a frente e hoje entendo o significado de patriotismo!
Loron diak hotu-hotu!

terça-feira, 1 de maio de 2012

Ataúro

O Mar do Timor certamente ficará para sempre em minha memória... a água mais cristalina que já vi, o azul mais belo e as fantásticas maravilhas que ali habitam são, para mim, algo fascinante e motivo de reflexão e aprendizado... para isso cá estou!
Neste final de semana fui com alguns amigos para uma ilha – Ataúro - que fica em frente de Díli, a capital do país. Parece perto, mas a viagem demora mais de 2 horas de barco. O sol estava firme e forte, como sempre, e a alegria e espírito aventureiro em alta para desbravar mais um paraíso timorense.
Lá chegando, pegamos o transporte local – tuk-tuk – uma moto que puxa um carrinho onde vão 6 pessoas sentadas. É uma aventura andar naquilo e eu adorei. O preço pra “malae”(gringos) é sempre maior do que pra timorenses... uma constante que enfrentamos por cá. Enfim, um lugar de muito verde, mar lindo, silêncio e muita paz. Nossa pousada – Manukoko – fica há uns 20 minutos do píer onde desembarcamos e é super aconchegante, dentro de sua simplicidade, da paz que a rodeia. 
A vila é algo de encantador... é como se tivesse voltado uns 50 anos no tempo, em uma cidade do interior brasileiro... a igrejinha... as casinhas com telhado de palha de coqueiros... a escolinha... plantações e animais... tudo muito simples... tudo muito calmo e belo... e crianças por todos os lados vindo brincar conosco, pedindo para sair em nossas fotos... algo de muita energia positiva!
A fábrica de bonecas de Ataúro – uma cooperativa de costureiras que faz bonecas de pano e bolsas – fica em frente de nossa pousada. Algo de inusitado pois a forma como trabalham as senhoras e a produção exposta para venda é algo de interessante... sem maiores preocupações com a estética de mostruários, as mercadorias ali estão em estantes e armários para os interessados... e algumas senhoras atendem e conversam com as pessoas... com uma alegria e um orgulho do que fazem que sempre nos faz repensar o sentido do trabalho na sociedade!
Após uma noite pra lá de agradável, iluminada por lampiões, preenchida com música de violão, um jantar gostoso e ótima companhia, o domingo amanheceu prometendo grandes aventuras. Não porque era meu aniversário, ou porque a chuva caída à noite havia refrescado o clima um pouco mais causando uma sensação térmica pra lá de agradável. Mas porque havíamos planejado um passeio de barco com direito a mergulhos nas águas de Ataúro.
Pois bem, a hora combinada chegou e lá fomos nós, quatro malaes, sem maiores preparos físicos, rumo a algo que nos parecia legal... e foi! Muito mesmo! A começar pelo meio de transporte, uma espécie de canoa esculpida em um tronco de madeira, com duas traves laterais de bambu que garantiam seu equilíbrio e um motor conduzido por um timorense – Zé – que não falava uma palavra sequer em português... apenas tétum, a língua local a qual todos nós estamos arranhando e sobrevivendo.
A cor da água é algo que merece destaque... um azul indescritível... cristalina... límpida e convidativa... temperatura amena... algo que nunca havia visto antes. Permitia que os raios do sol entrassem iluminando seus corais, refletindo suas cores e transformando tudo aquilo num cenário fenomenal.
As cores que vi, do azul Royal ao azul celeste, do roxo ao lilás, do vermelho ao rosa passando pelo dourado e os tons terrosos, as texturas aveludadas, plumadas e metálicas, ora rugosas e firmes, oras sensíveis ao balanço do mar... os peixes multicoloridos e de formatos vairados... as estrelas do mar que mais pareciam de pelúcia fina e sedosa... nadei entre cardumes muito grandes... passeei com os amigos marinhos... parecia ouvir uma sinfonia ao fundo... uma música celestial que servisse de trilha sonora para toda aquela maravilha que ali estava ao meu alcance... poderia ser uma alucinação lisérgica... poderia ser tudo imaginação de minha mente sempre alterada... mas era tudo tão real que chegava a me espantar... tal a beleza... o balé aquático executado... e o carinho amistoso com que todas aquelas criaturas me desejavam Feliz Aniversário... fazia tempo que não me sentia tão privilegiado quanto aqueles instantes que jamais sairão de minha mente e que sempre merecerão meu respeito e veneração!
Se eu já havia tido reflexões profundas sobre o mar em outros tempos idos... agora eu as reforço... Seria esse mar imenso e misterioso apenas um palco para espetáculos de tamanha grandiosidade? Nós, humanos, precisamos de aulas de humildade para entender a magnitude da natureza e nos colocarmos no devido lugar dentro dela... nem mais, nem menos!
Loron diak hotu hotu!

segunda-feira, 16 de abril de 2012

LORON dIAK

Quando se pensa em Timor, uma gama de problemas vêm à mente da gente diante de um histórico de invasões e guerras aqui vividas. No entanto, quando se vive em Timor, exercemos o entendimento de algumas situações que nos fazem repensar atitudes e verdades que antes nos pareciam confortáveis.
Estava eu em uma de minhas aulas de ensino de Língua Portuguesa – o que, diga-se de passagem, é uma experiência interessantíssima por si só – quando fui interrogado por um grupo de alunos com uma apropriação de assunto que tirou-me o chão e me fez o aprendiz em lugar do instrutor.
Primeiramente o aluno me pergunta qual o motivo de aprenderem o Português. A resposta mecânica seria a justificativa por ser um dos idiomas oficiais de seu país, ou ainda por ser a língua da resistência contra a invasão Indonésia, ou mais ainda pelo resgaste das raízes culturais de seu povo... enfim, naquele momento, nenhuma dessas razões óbvias me pareciam tão justas assim, uma vez que, para a geração mais jovem – representada por 70% da população – o Português era algo distante de sua realidade social, funcionando como uma língua estrangeira. Poucos são os ambientes sociais em que o Português é usado amplamente, sendo o Tétum a língua social da Comunicação. Ficou o professor a justificar através das possibilidades comunicativas que o idioma poderia trazer a eles, bem como entenderem mais um pouco da sociedade atual timorense que foi construída com bases na cultura portuguesa, com o uso de seu idioma influenciando até mesmo a formação do Tétum.
Um outro aluno pergunta então por que o português dos brasileiros era melhor e mais fácil que o português dos portugueses. Mais uma “saia justa” que o professor-aprendiz teve que buscar recursos diplomáticos e inteligentes para tentar entender o que realmente estava acontecendo. Ora, a língua portuguesa não é nada fácil em nenhum país dado o tempo longo em que vem sendo utilizada e modificada. Portanto talvez o nosso uso brasileiro de alguma forma atrai a simpatia dos timorenses. Constatei o fato de que falamos um pouco mais devagar que os colegas portugueses e talvez isso seja um facilitador do aprendizado e compreensão. Certamente a nossa informalidade e descontração atua positivamente nesse contexto, pois temos um carisma que é de reconhecimento internacional e uma das nossas características mais fortes. No entanto, os nossos sotaques e maneiras de falar o português do Brasil parece-me um ponto gerador de problema. Mas, ainda assim, os timorenses preferem nosso português e entendem que terão o seu próprio modo de usar o idioma sem que nós possamos, ou devamos, interferir na construção.
Mas foi a terceira pergunta capciosa que mais me fez “tremer nas bases”. Além das línguas maternas que possuem – alguns timorenses falam duas ou três delas – precisam falar o Tétum para haver uma comunicação nacional. Por conta da invasão indonésia, o português foi proibido e foram obrigados a aprenderem a língua indonésia. Com a restauração da Independência do país, a língua portuguesa retoma o cenário linguístico do país, fazendo com que voltasse a ser estudada e usada oficialmente, ainda que nem tanto amplamente assim. Isso sem falar na grande presença da Língua Inglesa, dada a proximidade com a Austrália e a presença da ONU no país. Frente a esse conturbado contexto, vem a pergunta que me calou a alma: “Professor, qual outra nação vai nos invadir e forçar-nos a aprender seu idioma?”
Consegui dizer-lhes em tom sério: “Espero que nós não deixemos que outras invasões aconteçam por aqui, e que a língua portuguesa sirva de instrumento de defesa também!”
Até quando teremos uma nação se sobrepondo às demais? Por que o caráter invasivo e dominador de alguns? Porque tudo converge para o interesse material em detrimento do humano? Quando as pessoas conseguirão entenderem-se como irmãs e companheiras e não como adversárias em plena competição? Essas e outras questões conflituosas me permeiam o pensamento a cada situação-problema que vivo por aqui. A pergunta preocupada do aluno perturbou os sentimentos do professor, mas na verdade foi uma voz ainda ferida de uma nação que, por ser pequena e com outras prioridades que não a guerra e a exploração econômica foi sempre vítima de outras que pretendem ser bem mais do que realmente são. De que lado está o Brasil?

sábado, 14 de abril de 2012

Pensando a educação em Timor

Educar não é tarefa fácil. Muito menos educar em um país com uma cultura diferente da sua. E eu aqui em Timor-Leste tenho essa tarefa a qual, ingenuamente, comecei de trás pra frente. Preparei material que julgava importante e interessante, selecionei textos e estratégias metodológicas, estudei e reli Paulo Freire, e esqueci da lição mais elementar deste processo: educar a mim mesmo.
Eu, professor bem nutrido, vindo de um país que se julga desenvolvido mas que mal deu os primeiros passos para isto, repleto de esteriótipos educacionais – alguns, confesso, preconceituosos – com diplomas e leituras que, no meu parco entendimento, me fariam preparado para qualquer desafio na Educação, vim para este país com a função de colaborar com o ensino de Língua Portuguesa, um dos idiomas oficiais, porém com recente “empenho” da nação em seu estudo sistematizado.
Olha... talvez seja esse o fascínio de um educador: descobrir-se despreparado a cada novo desafio, perceber suas incompetências e... agir! Porque há duas possibilidades aqui: desespero ou busca por algum caminho mais interessante. Conforme o poeta norte-americano Robert Frost, que, em “The Road not taken – o caminho não percorrido”, mostra-nos bifurcações da vida que nos exigem decisão e coragem, escolhi a segunda alternativa que possuía, a qual, à forma do poema citado, “fez toda a diferença”.
Comecei por um trabalho interno muito grande, que demandou muita reflexão e precisei me despir das couraças que o sistema acadêmico brasileiro nos impinge, dos orgulhos inúteis fiz humilde aprendizado; das teorias insólitas, observação da realidade existente; dos discursos prontos, novas escrituras e atitudes; e, com uma boa dose de coragem e boa vontade, iniciei efetivamente meu trabalho.
Hoje, a cada cabeçada que dou no cotidiano de minha atuação profissional, a cada sucesso ou fracasso aparentes, revendo todo o processo organizado, percebo que nasce em mim um novo educador. Não aquele formado e diplomado. Mas aquele que está se construindo a partir de confrontos e paradoxos. Aquele que vem surgindo de um terreno aparentemente despreparado, mas que demonstra um vigor indiferente às suas condições de existência. Um educador que está engatinhando na tarefa do ensinar, apesar da bagagem de experiência adquirida ao longo de alguns anos, e que entendeu que a maior lição a ser aprendida já nos foi dada há tempos: “só sei que nada sei!”
Assim, nessa terra cujo povo já foi maltratado por invasores imperialistas cruéis portugueses, japoneses e indonésios, que impuseram seu poderio, cultura e idioma desrespeitando sua existência cultural e social... nessa terra cujos habitantes comunicam-se através de, pelo menos, 4 idiomas diferentes e não raras vezes 6 e até 8 línguas distintas, várias das quais impostas pelos históricos de dominação que possuem... nessa terra de gente pobre, mas feliz dentro das condições que possuem... de gente desconfiada, mas com um carinho superprotetor... nessa terra onde os paradoxos são imensos mas a vontade de existir dignamente se sobrepõe a tudo... foi bem aqui que eu, educador em formação, percebi que para ensinar é preciso estar disposto a aprender, sem condições ou pré-requisitos... é preciso estar nos problemas alheios e não apenas reconhecê-los como uma responsabilidade não sua... é preciso despir-se de conceitos aos quais nos apegamos por uma insanidade mascarada de qualquer coisa e perceber que educar vem de dentro, do olho no olho sincero, da real vontade de construir algo que faça bem a todos os envolvidos e que eu não sou ninguém pra determinar o que deve ou não deve ser aprendido, mas que o aprendizado real só é significativo quando as partes envolvidas descobrem-se cúmplices no processo.

terça-feira, 27 de março de 2012

Refletindo

Nos contos e causos que por cá escuto, atento-me aos que me acordam o sentimento, e aos que me provocam o pensar... e penso! Penso tanto que cansa-me o espírito de pensar, mas não desisto da tarefa pois, assim, aprendo, e muito!
Essa gente de vida mais que simples, de sorriso mais que mistério, de fala mais que alta e de desconfiança mais que evidente estão sabedorias das que brilham como ouro e prata, justamente um tesouro não valioso no mundo moderno do metal que compra vidas, sorrisos, mistérios e as falas.
Nem a vida, nem os sorrisos, muito menos o mistério dessa gente esconde as cicatrizes ainda bem abertas de uma história que insistem em nos contar, o que, no meu parco entendimento não é nada senão um apelo, uma súplica por defesa e proteção, ainda que a confiança em nós depositada seja evidentemente desconfiada. Uma desconfiança que reside na história de muitos “malaes” que por cá viveram e vivem, e se aproveitam das moças e moços dessa gente, que insistem em impor uma superioridade sem sentido, que sujam suas ruas e praias, que desvalorizam sua cultura e envergonham suas nações por eles aqui representadas e que nada enxergam a não ser os interesses próprios, de suas organizações e instituições.
Interessante como o mal institucionado tem uma força desumana e irresponsável. É capaz de dizimar um povo, de destruir as relações entre as pessoas e massacrar toda uma cultura em favor de intenções duvidosas e arbitrárias, desnutridas de nobreza e humanismo. Em contrapartida, o bem, que já é escasso individualmente, quando institucionado encontra todo o tipo de resistência para existir, dos entraves burocráticos aos impedimentos da preguiça, do orgulho e do egoísmo humanos.
Há que se encontrar um ponto de equilíbrio entre as duas forças energéticas que movem as intenções do homem. Que o mal exista na medida certa para nos fazer acreditar que exista algo bem melhor, e, assim criemos recursos tais de superação de intempéries e contrariedades. Que o bem tenha a força tal para não sucumbir às dificuldades necessárias para sua condução. Que o ser humano seja assim realmente, sinta sem restrições, emocione-se sem permissões, ame sem condições e, por ser humano, tenha a sabedoria de lidar com o bem e o mal sem moderações, com convicções e, acima de tudo, com determinações!!!

terça-feira, 20 de março de 2012

Cantando o Timor

Estar no Timor, é cantar... e, conforme o poeta, “quando o canto é reza, todo toque é santo!”

Escuto por aqui histórias de arrepiar os cabelos! Relatos da guerra, a “caçada” aos timorenses, a morte de parentes e amigos, a fuga e o esconderijo na floresta, nas montanhas, as torturas e massacres... e isso, dito por bocas que ainda não calaram a dor em si, mas não a transformam em motivo de depressão ou para despertar a piedade alheia, mas na intenção única de alertar a todos para que nada disso volte a acontecer... Nessas horas eu canto!

Leio textos de meus alunos falando das dificuldades por eles vencidas para estarem em um banco universitário. O orgulho que possuem por terem alcançado esse estágio e a vontade de ajudarem o seu país, ainda que não saibam como, mas, na visão deles, a universidade dará esse rumo!!! Contam-me da pobreza em que vivem seus familiares, da escassez na infância e da dificuldade em se manterem na capital do país, longe de todos e sem recursos que permitam que se alimentem adequadamente... Nessas horas eu canto!

Converso com professores que realizam trabalhos miraculosos com turmas de 100, 120 alunos e conseguem que estes construam conhecimentos e que consigam fazer reflexões valiosas a respeito das condições de seu país e de seu povo. A respeito do que aconteceu-lhes historicamente e do que há ao redor ainda hoje como ameaça. Da suposta ajuda das cooperações internacionais e da presença da ONU neste território. Da força da religião por aqui e da esperança que todo esse conhecimento venha trazer-lhes algum alívio nacional... nessas horas eu canto!

Comparo tudo isso que vejo por aqui com aquilo que deixei no meu país. Vejo aqui ainda a impunidade daqueles que exterminaram 200 mil pessoas timorenses impiedosamente, assim como vejo a impunidade daqueles que torturaram e mataram muitos brasileiros que queriam um país realmente livre e democrático. Vejo aqui uma elite que usufrui de riquezas e uma multidão de pessoas que se alimenta precariamente, assim como vejo os políticos brasileiros fazerem carreira político e pouco contribuírem para sanar nossas carências mais elementares. Mas vejo aqui uma unanimidade com relação à Educação e ao papel do educador que jamais, nem de longe, percebi na sociedade brasileira. Nessas horas... eu paro de cantar!!!!

sexta-feira, 9 de março de 2012

Refletindo..

Diak ka lae
Nessas minhas andanças pela educação eu já tive oportunidades preciosas as quais agradeço sempre por ter vivido. Trabalhar com crianças, com pessoas especiais, com idosos, dar cursos em presídio, lidar com adolescentes, jovens adultos em cursos de graduação e pós-graduação, compartilhar saberes em formação de professores nos diversos espaços do Brasil que me foram designados, tudo isso me traz alegria, experiência e regozijo. Isso em contar nos momentos “informais” com pessoas iluminadas e que sempre me trouxeram grandes ensinamentos. Lidar com gente não tem preço, não tem tempo certo nem palavras pra descrever... é vida!
No entanto, o que vivo aqui em Timor-Leste é “bue fixe”, como dizem os amigos portugueses que já fiz por cá. O meu “eu-educador” está sendo educado de uma maneira tão intensa quanto o meu “eu-pessoa”... e nem sei se essa separação cabe, mas prefiro assim.
A postura dos alunos timorenses é algo de inusitado e, talvez, motivo de riso para os brasileiros que já se julgam superiores e adotaram a postura imperialista que está sendo incutida sutilmente em nossa cultura.
A cada aula que dou, surpreendo-me e me emociono com detalhes que, para mim, fazem toda a diferença. “Professor, obrigado pela oportunidade de participar de sua aula, gostaria de ler o meu texto para o senhor e meus colegas!” Assim falam todos os alunos, de pé, antes de responderem qualquer questão. E são ouvidos com respeito e atenção por todos em sala. Aqui, o momento em sala de aula é a oportunidade que eles possuem de aprenderem, crescerem e, futuramente, ajudar o país deles!
Esse respeito e consideração mistura-se à humildade que transmitem no olhar, na voz e nos gestos quando, ao serem por mim corrigidos em suas tarefas, estendem a mão, olham-me nos olhos e dizem “Obrigado, professor”... fica no ar o complemento desta frase – “por estar me ajudando”.
E há brincadeiras, há discordâncias, há tudo o que uma sala de aula normal possui. No entanto há também o respeito, a vontade de aprender e a consideração com os demais presentes.
Reclamar do calor em uma sala de aula com mais de 40 alunos e apenas um ventilador não resolve o problema da temperatura. Reclamar do salário pequeno recebido pelos professores e usar isso como desculpa para um trabalho desclassificado e desumano na educação também não resolve nada. Reclamar por que não há condições físicas de trabalho e se desmotivar com tudo isso não é a solução.
Meus amigos educadores – professores ou não – se o caos está instalado na educação brasileira, não há maiores responsáveis por isso que nós mesmos, quer como profissionais da educação que historicamente não estamos exercendo nosso ofício com a qualidade que juramos ao nos graduarmos, que como cidadãos que não estamos sabendo construir o respeito nos ambientes e relações em nosso país.
Em Timor, o professor é respeitado e impõe-se a partir do trabalho de qualidade que faz, com recursos tão escassos quanto os que encontramos na maioria das escolas do Brasil. Não há livros para os alunos; as salas de aula possuem, no mínimo, 50 alunos; o salário médio de professores com graduação é de 200 dólares, não há fotocopiadoras, não há retroprojetores, não há computadores, não há tecnologia; os quadros são realmente negros, pintados nas paredes; as carteiras são daquelas antigas que sentam-se 3 alunos juntos; há poucos ventiladores; não há bebedouros na universidade; as bibliotecas são escassas.
No entanto, não há evasão escolar, os professores se dedicam de corpo e alma à sua tarefa educacional, os alunos têm sede de aprender, o sindicato dos professores pressiona o governo e consegue diversos benefícios para a Educação – dentro das possibilidades do país – exatamente porque entende-se a importância e reconhece-se a qualidade do que é feito, dadas as complicações encontradas.
No Brasil, temos a péssima mania de responsabilizarmos uma terceira pessoa pelos problemas que encontramos. Muitas vezes essas pessoas são os políticos que governam o país. No entanto, esquece-se que não é o político que está na sala de aula formando seres humanos e opiniões. Nós, professores, possuímos uma força incrível em mudar a nossa realidade e a realidade de todos. Com nossos alunos, ensinando-os a agir pela modificação coletiva. Entre nós, estudando e realizando um trabalho digno de excelência. E nos diversos meios sociais que participamos, discutindo, denunciando, alimentando os pensamentos e, principalmente, impedindo que pessoas incompetentes voltem ao poder. Nós fazemos os políticos de nosso país! Vamos pensar nisso!
Obrigado Barak !

sábado, 3 de março de 2012

Pensando...

“Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é!”
Na sabedoria de Caetano, as aventuras e desventuras que tenho percebido em meu quase mês em Timor-Leste. Até pensei em começar este texto com algum título do tipo “Timor-paradoxo-leste”, mas achei que seria pretensão de um estrangeiro – malae como aqui se diz – que vem de um país que é igualmente um paradoxo, onde há mendigos nas esquinas, uma sistema de justiça injusta, um bando de caciques brincando de mandar, mas um país querendo se bancar de desenvolvido... enfim... isso é papo pra outra hora!
Timor é um delícia... uma delícia dolorosa de se provar! Vive-se um calor de dar inveja ao Inferno, o Sol aqui faz questão de nos mostrar o quão quente e poderoso ele é... um verdadeiro Deus. Isso faz com que o mar seja o mais belo que eu já pensei em ver. O contraste do verde das montanhas com o azul indescritível é fascinante. E há quem me diga que ainda fará mais calor nos meses de junho e julho quando for o período de seca. Vejamos!
O país vive um momento político interessante. Aquelas pessoas que, no passado, lideraram a imprescindível guerrilha para romper definitivamente com os desmandos da Indonésia, hoje mostram-se incompetentes para governar um país com riquezas e muita pobreza... um país que possui praias mais belas que as de Bali e um IDH que é a metade de países com dificuldades como a Bolívia.
Um país que demonstra ter uma preocupação com a Educação, porém com modelos e perspectivas ocidentais em uma realidade totalmente oriental... acreditem, o conceito de vida e de organização social no oriente é diferente, bem diferente, daquilo que estamos acostumados. Seguem alguns, poucos, exemplos:
- Praia não é sinônimo de lugar para exibir corpos, tomar banho de sol, nadar ou coisa do gênero. Praia é um lugar belo, dado pela natureza, para se reunir família, amigos, companheiros, descansar, ouvir música, fazer um piquenique e se desfrutar do cenário existente.
- Trabalho não é sinônimo de escravização, mas de necessidade humana. Trabalha-se o necessário por dia, nem mais nem menos, porque o dia também precisa ser compartilhado com parentes e amigos.
Pensando nisto, muito me vem à cabeça e ao sentimento. Vejo o ritmo alucinado de trabalho que tinha no Brasil e comparo com o ritmo disciplinado que tenho agora. Deixei de aprender muita coisa porque eu tinha que trabalhar, porque eu tinha que ganhar tantos reais para pagar tantas contas. Trabalhei um tanto que nunca foi valorizado nem pelo meu ambiente de trabalho, tampouco pelo meu país. Ou eu deixava de lado momentos de lazer porque estava cansado ou para me preservar, ou eu jogava tudo para o alto e trabalhava cansado colocando em risco a minha saúde.
Hoje, quando entro numa sala de aula e alunos me agradecem pela minha presença em seu país, quando converso com professores da Universidade onde trabalho e percebo o quão importante o meu trabalho é para o local onde todos estamos, quando percebo que uma aula de 2 horas foi vencida com muita dificuldade e suor (literalmente) mas que algo realmente fez sentido para aquelas pessoas, eu percebo que algo estava muito errado e eu, cego pela pressa de uma escravidão, não conseguia perceber.
O Timor está longe de ser um paraíso de almas iluminadas, mas para mim, nesse primeiro mês de vivência aqui, o Timor iluminou um paraíso existente em mim e que a minha pátria não mediu esforços em apagar diariamente.
Estou me sentindo um educador de novo, estou sentindo que há caminhos possíveis, que compartilhar é imprescindível e que eu ainda tenho muito o que aprender porque tudo está apenas começando...
Uma coisa é certa, não há progresso, dinheiro, conforto que mereça o sacrifício de meus dias, muito menos de meu tempo de aprendizado e a delícia de perceber isso reside na dor de renúncias que todos poderíamos aprender a realizar... devagarzinho... de mansinho... mas com vontade!

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Na Universidade – Parte I





















Começo aqui a conversar um pouco sobre o que tenho experienciado na Universidade Nacional de Timor Leste... penso que terei que fazer isto em partes, pois muito há o que aprender por aqui e o aprendizado é algo que acontece bem devagar, para ser bem aproveitado.
Nesta semana, ocorreu a recepção aos calouros da Universidade, evento importante não só para a comunidade acadêmica como também para todo o país. A cerimônia importante ocorrida no ginásio da Universidade foi algo ímpar. Os alunos de cada faculdade – grupos de cursos em área fim – vinham com uniformes e adereços próprios e coloridos, ocupavam lugares determinados na arquibancada, orientados e organizados pelos veteranos, igualmente uniformizados. Professores da casa, professores estrangeiros, professores visitantes e demais autoridades acadêmicas ocupavam cadeiras dispostas no centro do ginásio. Na mesa de autoridades, o reitor e o presidente do país... sim... isso mesmo... o presidente do país, Sr. Ramos Horta, prêmio Nobel da Paz pelos seus feitos na reconstrução de Timor Leste, na restauração da Paz no país e na conquista pelo respeito internacional ao novo país que surgiu entre lágrimas de dor do maldito domínio de homens sobre homens!!!
A presença do presidente ali dava um aspecto solene ao evento, ainda que trajado de forma simples, e com uma simpatia igualmente simples ao se dirigir a todos nós. Em seu discurso, fez questão de falar como cidadão timorense e não como autoridade, a qual, segundo ele, deve ser exercida com a humildade necessária para se entender o seu significado. Falou sobre as prioridades do país(saúde e educação), mostrando que ambas andavam juntas, uma vez que a erradicação das principais doenças existentes no país – dengue, malária e febre amarela – dependem de uma mudança de cada timorense quanto à questão ambiental e à higiene doméstica. E reafirmou que tanto o desenvolvimento interno do país, como a manutenção da Independência de Timor Leste, serão conquistas de todos, com necessidade primordial de estudo, de pesquisa e de valorização cultural. Um discurso poliglota – em português, inglês e tétum – aplaudido respeitosamente por todos os presentes.
Esse respeito pelo presidente, e mais até, pela nação, emocionou a todos nós estrangeiros, quando os nativos do país cantaram lindamente o seu hino nacional, não com a mão no peito, mas com a mão direita fechada e erguida à frente da cabeça, em gesto de força e luta, contra tudo o que ouse tirar a dignidade deste povo. Cantavam com a alma, sem desafinar ou errar a letra... cantavam para além mar... para serem ouvidos pela Indonésia, pelo Japão, por Portugal, pelos Estados Unidos, pelo Brasil, pela ONU... por todos aqueles que participaram da história sangrenta deste povo, ou que tiverem a menor intenção de qualquer tipo de dominação aqui. Nas palavras de Ramos Horta, as nações podem e devem colaborar umas com as outras, mas o respeito deve sempre prevalecer entre as relações internacionais, pois a desigualdade social reside no desrespeito à condição humana.
Pude perceber que estas palavras são bem entendidas pelos estudantes ao analisar o trote aplicado aos calouros. Algo que também temos que aprender com eles, uma vez que aqui não há o culto a brincadeiras sem sentido, muitas vezes desrespeitosas e que não trazem o menor benefício para ninguém. Na verdade são práticas que segregam, humilham e animalizam a condição humana.
O trote timorense consiste em atividades lúdicas, educativas e sociais. No grupo das lúdicas, os estudantes veteranos cantam para os novos alunos, há jogos e brincadeiras coletivas. Quanto ás atividades educativas, os Centros Acadêmicos organizam grupos de estudo e discussão de temas relativos a problemas do país, em que os calouros pensam e relatam, em pequenos grupos, quais as suas considerações e idéias sobre os temas e, ao final do período, relatam ao grande grupo suas anotações, dando início ao debate sobre o tema, sem interferência de qualquer professor. Já com relação às atividades sociais, cada aluno recebe um kit de limpeza, contendo vassoura, balde e pano de chão, vassoura de palha, e são conduzidos pelos veteranos a limpar a universidade, as salas de aula, as salas de estudo, corredores, banheiros, jardins e pátios, num mutirão que objetiva deixar claro que aquele espaço é deles e por eles deve ser mantido e conservado. Não parece algo de primeiro mundo? Pois então, estou falando de um país que ocupa metade de uma ilha, que cabe facilmente dentro de um dos menores estados brasileiros, que tem renda per capita menor que a Bolívia, que tem 10 anos de independência, que a população é constituída por 70% de jovens com até 15 anos porque a maioria dos adultos foi exterminada pela invasão da Indonésia...
Sim, meus queridos, cada uma dessas coisas tem me feito pensar muito a respeito de cidadania, política social e sobre o papel da Universidade na vida e na formação dos estudantes... entre outros temas.
Mas não fiquem deprimidos, pois o Brasil vai sediar a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, as UPPs tem resolvido os problemas das favelas cariocas, o governo de São Paulo está limpando a cracolândia e retirando os baderneiros de Pinheirinho, a Globo tem nos mostrado o quanto os grevistas vandalizam a vida de cidades em todo país, a Educação do país vai receber 10% do PIB nacional e a passagem de ônibus de Blumenau é preocupação dos vereadores e do prefeito, assim como os seus próprios salários... podemos nos dar ao luxo de pintar e jogar farinha em nossos calouros pois a cervejada que isso rende, nos faz esquecer qualquer problema. Somos um povo feliz!
Termino com o Hino deste país... acho que é digno!









Obrigado barak









Letra do Hino de Timor-LesteTítulo: "Pátria"Texto: Borja da CostaMúsica: Afonso Redentor Araújo









Pátria, pátria, Timor-Leste nossa nação.









Glória ao povo e aos heróis da nossa libertação.









Vencemos o colonialismo.









Gritamos: abaixo o imperialismo.









Terra livre, povo livre,não, não, não à exploração.









Avante, unidos, firmes e decididos.









Na luta contra o imperialismo,o inimigo dos povos,até à vitória final,pelo caminho da revolução!
Pátria, pátria, Timor-Leste nossa nação.









Glória aos heróis da nossa libertação

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Refletindo...








Apenas uma semana aqui e algumas situações me convidam a refletir bastante. Pensar é um exercício que me faz bem e que, na minha percepção, deveria ser prática de todos, ensinada na escola... tipo... Momento do pensamento.
Eu já vi pessoas viverem em condições muito precárias, passarem fome, sem perspectivas e sofrendo por tudo isso. O Brasil infelizmente está cheio de exemplos assim. No entanto, aqui, sinto algo diferente que me chama a atenção. A escassez faz com que o povo timorense seja muito criativo. Materiais que normalmente são descartados por nós, brasileiros, aqui são amplamente aproveitados, de maneira que não se vê fome e o índice de desnutrição é quase zero e os bens de consumo são “adaptados” à realidade em que vivem.
Sendo mais específico, come-se não só o fruto berinjela, mas sim toda a planta. Da bananeira é aproveitado tudo: come-se a banana, o coração do cacho(flor), o caule fibroso é desfiado e vira corda, alça, utensílio doméstico, a folha vira pequenos cestos, chá, a raiz é rica em potássio e também e utilizada na alimentação e em forma de chá. Toda casa, por mais simples que seja – e, acreditem, são bem simples – possui alguns porcos, galinhas, cabras que constituem fonte de carne e leite para a família. Milho encontra-se com fartura, bem como arroz, batata doce, inhame e várias verduras, algumas bem diferentes do que eu conhecia. Isso sem contar nas frutas que também não faltam. Pelo menos aqui em Dili, capital do país, que é o que conheço até agora.
Isso nos faz rever nossos conceitos e preconceitos alimentares, pois, quando temos algo estranho para comer, o fato de estarmos num contexto brasileiro de alguma fartura, nos faz “torcer o nariz” para o alimento estranho e recusá-lo veementemente. Vendo essa realidade timorense, eu lembro muito de um amigo meu que, depois que voltou da Índia e está numa refeição em que alguém comenta algo negativo sobre a comida e tal, ele diz “você fala isso porque nunca passou fome”! É vero! Pra fugir da fome há duas alternativas básicas: reclamar e sofrer, esperando pela caridade alheia, ou criativamente utilizar aquilo que a natureza e papai do céu nos oferecem gratuitamente. Vale, inclusive, comer carne de cachorro ou de gato, como sabemos que se faz nestas terras.
Bem, como falei antes, são reflexões minhas, passíveis de discordância, mas com a intenção de que a gente entenda melhor o que acontece no mundo real, não no mundo dos nossos umbigos!

A gente se vê.