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sábado, 18 de fevereiro de 2012

Na Universidade – Parte I





















Começo aqui a conversar um pouco sobre o que tenho experienciado na Universidade Nacional de Timor Leste... penso que terei que fazer isto em partes, pois muito há o que aprender por aqui e o aprendizado é algo que acontece bem devagar, para ser bem aproveitado.
Nesta semana, ocorreu a recepção aos calouros da Universidade, evento importante não só para a comunidade acadêmica como também para todo o país. A cerimônia importante ocorrida no ginásio da Universidade foi algo ímpar. Os alunos de cada faculdade – grupos de cursos em área fim – vinham com uniformes e adereços próprios e coloridos, ocupavam lugares determinados na arquibancada, orientados e organizados pelos veteranos, igualmente uniformizados. Professores da casa, professores estrangeiros, professores visitantes e demais autoridades acadêmicas ocupavam cadeiras dispostas no centro do ginásio. Na mesa de autoridades, o reitor e o presidente do país... sim... isso mesmo... o presidente do país, Sr. Ramos Horta, prêmio Nobel da Paz pelos seus feitos na reconstrução de Timor Leste, na restauração da Paz no país e na conquista pelo respeito internacional ao novo país que surgiu entre lágrimas de dor do maldito domínio de homens sobre homens!!!
A presença do presidente ali dava um aspecto solene ao evento, ainda que trajado de forma simples, e com uma simpatia igualmente simples ao se dirigir a todos nós. Em seu discurso, fez questão de falar como cidadão timorense e não como autoridade, a qual, segundo ele, deve ser exercida com a humildade necessária para se entender o seu significado. Falou sobre as prioridades do país(saúde e educação), mostrando que ambas andavam juntas, uma vez que a erradicação das principais doenças existentes no país – dengue, malária e febre amarela – dependem de uma mudança de cada timorense quanto à questão ambiental e à higiene doméstica. E reafirmou que tanto o desenvolvimento interno do país, como a manutenção da Independência de Timor Leste, serão conquistas de todos, com necessidade primordial de estudo, de pesquisa e de valorização cultural. Um discurso poliglota – em português, inglês e tétum – aplaudido respeitosamente por todos os presentes.
Esse respeito pelo presidente, e mais até, pela nação, emocionou a todos nós estrangeiros, quando os nativos do país cantaram lindamente o seu hino nacional, não com a mão no peito, mas com a mão direita fechada e erguida à frente da cabeça, em gesto de força e luta, contra tudo o que ouse tirar a dignidade deste povo. Cantavam com a alma, sem desafinar ou errar a letra... cantavam para além mar... para serem ouvidos pela Indonésia, pelo Japão, por Portugal, pelos Estados Unidos, pelo Brasil, pela ONU... por todos aqueles que participaram da história sangrenta deste povo, ou que tiverem a menor intenção de qualquer tipo de dominação aqui. Nas palavras de Ramos Horta, as nações podem e devem colaborar umas com as outras, mas o respeito deve sempre prevalecer entre as relações internacionais, pois a desigualdade social reside no desrespeito à condição humana.
Pude perceber que estas palavras são bem entendidas pelos estudantes ao analisar o trote aplicado aos calouros. Algo que também temos que aprender com eles, uma vez que aqui não há o culto a brincadeiras sem sentido, muitas vezes desrespeitosas e que não trazem o menor benefício para ninguém. Na verdade são práticas que segregam, humilham e animalizam a condição humana.
O trote timorense consiste em atividades lúdicas, educativas e sociais. No grupo das lúdicas, os estudantes veteranos cantam para os novos alunos, há jogos e brincadeiras coletivas. Quanto ás atividades educativas, os Centros Acadêmicos organizam grupos de estudo e discussão de temas relativos a problemas do país, em que os calouros pensam e relatam, em pequenos grupos, quais as suas considerações e idéias sobre os temas e, ao final do período, relatam ao grande grupo suas anotações, dando início ao debate sobre o tema, sem interferência de qualquer professor. Já com relação às atividades sociais, cada aluno recebe um kit de limpeza, contendo vassoura, balde e pano de chão, vassoura de palha, e são conduzidos pelos veteranos a limpar a universidade, as salas de aula, as salas de estudo, corredores, banheiros, jardins e pátios, num mutirão que objetiva deixar claro que aquele espaço é deles e por eles deve ser mantido e conservado. Não parece algo de primeiro mundo? Pois então, estou falando de um país que ocupa metade de uma ilha, que cabe facilmente dentro de um dos menores estados brasileiros, que tem renda per capita menor que a Bolívia, que tem 10 anos de independência, que a população é constituída por 70% de jovens com até 15 anos porque a maioria dos adultos foi exterminada pela invasão da Indonésia...
Sim, meus queridos, cada uma dessas coisas tem me feito pensar muito a respeito de cidadania, política social e sobre o papel da Universidade na vida e na formação dos estudantes... entre outros temas.
Mas não fiquem deprimidos, pois o Brasil vai sediar a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, as UPPs tem resolvido os problemas das favelas cariocas, o governo de São Paulo está limpando a cracolândia e retirando os baderneiros de Pinheirinho, a Globo tem nos mostrado o quanto os grevistas vandalizam a vida de cidades em todo país, a Educação do país vai receber 10% do PIB nacional e a passagem de ônibus de Blumenau é preocupação dos vereadores e do prefeito, assim como os seus próprios salários... podemos nos dar ao luxo de pintar e jogar farinha em nossos calouros pois a cervejada que isso rende, nos faz esquecer qualquer problema. Somos um povo feliz!
Termino com o Hino deste país... acho que é digno!









Obrigado barak









Letra do Hino de Timor-LesteTítulo: "Pátria"Texto: Borja da CostaMúsica: Afonso Redentor Araújo









Pátria, pátria, Timor-Leste nossa nação.









Glória ao povo e aos heróis da nossa libertação.









Vencemos o colonialismo.









Gritamos: abaixo o imperialismo.









Terra livre, povo livre,não, não, não à exploração.









Avante, unidos, firmes e decididos.









Na luta contra o imperialismo,o inimigo dos povos,até à vitória final,pelo caminho da revolução!
Pátria, pátria, Timor-Leste nossa nação.









Glória aos heróis da nossa libertação

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Refletindo...








Apenas uma semana aqui e algumas situações me convidam a refletir bastante. Pensar é um exercício que me faz bem e que, na minha percepção, deveria ser prática de todos, ensinada na escola... tipo... Momento do pensamento.
Eu já vi pessoas viverem em condições muito precárias, passarem fome, sem perspectivas e sofrendo por tudo isso. O Brasil infelizmente está cheio de exemplos assim. No entanto, aqui, sinto algo diferente que me chama a atenção. A escassez faz com que o povo timorense seja muito criativo. Materiais que normalmente são descartados por nós, brasileiros, aqui são amplamente aproveitados, de maneira que não se vê fome e o índice de desnutrição é quase zero e os bens de consumo são “adaptados” à realidade em que vivem.
Sendo mais específico, come-se não só o fruto berinjela, mas sim toda a planta. Da bananeira é aproveitado tudo: come-se a banana, o coração do cacho(flor), o caule fibroso é desfiado e vira corda, alça, utensílio doméstico, a folha vira pequenos cestos, chá, a raiz é rica em potássio e também e utilizada na alimentação e em forma de chá. Toda casa, por mais simples que seja – e, acreditem, são bem simples – possui alguns porcos, galinhas, cabras que constituem fonte de carne e leite para a família. Milho encontra-se com fartura, bem como arroz, batata doce, inhame e várias verduras, algumas bem diferentes do que eu conhecia. Isso sem contar nas frutas que também não faltam. Pelo menos aqui em Dili, capital do país, que é o que conheço até agora.
Isso nos faz rever nossos conceitos e preconceitos alimentares, pois, quando temos algo estranho para comer, o fato de estarmos num contexto brasileiro de alguma fartura, nos faz “torcer o nariz” para o alimento estranho e recusá-lo veementemente. Vendo essa realidade timorense, eu lembro muito de um amigo meu que, depois que voltou da Índia e está numa refeição em que alguém comenta algo negativo sobre a comida e tal, ele diz “você fala isso porque nunca passou fome”! É vero! Pra fugir da fome há duas alternativas básicas: reclamar e sofrer, esperando pela caridade alheia, ou criativamente utilizar aquilo que a natureza e papai do céu nos oferecem gratuitamente. Vale, inclusive, comer carne de cachorro ou de gato, como sabemos que se faz nestas terras.
Bem, como falei antes, são reflexões minhas, passíveis de discordância, mas com a intenção de que a gente entenda melhor o que acontece no mundo real, não no mundo dos nossos umbigos!

A gente se vê.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Desvendando Dili

Diak ka lae

(cumprimento em Tétum)

Para desvendar a capital do Timor Leste, Dili, é preciso se aventurar na língua mais usada neste país: o Tétum. Ontem, eu e meus companheiros de jornada tivemos uma pequena aula, com algumas noções básicas deste idioma que se constitui fascinantes para os "amantes das línguas", como eu.
O Tétum é rico em termos do Português, organizado por uma estruturação linguística simples e de forte influência das línguas indonesias. Aos poucos vou assimilando os termos e expressões básicos para sobrevivência e aproximação com o povo daqui, o que é fundamental para mim.
O povo de Dili, devido ao massacre das guerras, é um povo jovem, com muitas crianças, poucos idosos e alguns adultos. Há crianças por toda parte, alegres, com esperança nos olhos, que nos abordam brincalhonas gritando "malae... malae (gringo)"
Seus sorrisos querem a todo instante aparecer em nossas fotos como que a se sentirem valorizadas... é o momento de fama que esperam e nos retribuem com simpatia e alegria. Deixa-me muito feliz perceber esse sentimento neles, pois num futuro não muito distante serão responsáveis pela condução deste país que, ainda que com pouco contato, já percebi que muito tem a nos ensinar.
Dili tem ainda suas marcas de guerra em vários prédios e ruas... a presença da guarda da ONU por todos os lados reforça essa ideia de que as coisas não estão exatamente em um estado normal, apesar de tudo parecer calmo. Há um clima de subserviência, por parte dos timorenses, em relação aos membros da ONU e aos estrangeiros em geral. Talvez pelo fato de se sentirem amparados por aqueles que aqui vieram por motivos interessantes ou não. O fato é que os estrangeiros que aqui estão movimentam a economia do país e, ao menos, inibem maiores conflitos.
Por outro lado, percebe-se um ar autoritário e superior por parte dos representantes institucionais e mesmo por parte de alguns membros de programas de cooperação, numa postura a meu ver inadequada para o tipo de trabalho que aqui se faz, mas que merece ainda mais observação e análise crítica de minha parte.
Dia desses caminhando pela orla eu vi algumas pessoas, umas três ou quatro, catando pedrinhas, cascalhos, formações calcáreas da praia. Essas pessoas separam em montes e depois ensacam esse material, devidamente separado por tipo e tamanho. Fui investigar e descobri que esses materiais são utilizados na construção civil e o governo daqui proibiu qualquer empresa de fazer tal exploração por entender que esta é uma fonte de renda importante para algumas famílias do país. Vai aprendendo, Brasil!
Outro dia fui abordado por alunos da Universidade Nacional do Timor Leste, instituição onde estou trabalhando. Eram calouros que estavam vindo fazer suas matrículas na universidade, o que atesta uma vitória sem igual para as famílias desses jovens. A felicidade estampada no sorriso desses seres foi algo que me trouxe lágrimas aos olhos e a sinceridade que coloria suas conversas conosco era um convite a fazer do meu trabalho de professor algo de significativo na vida deles.
Estão muito ansioso pelo início das aulas, querem nos conhecer, ter aulas conosco, aprender o idioma português, o que me parece um grande motivo de orgulho para eles. Estou eu aqui nervoso só de pensar como será o convívio com eles em sala de aula.
Falando mais uma vez sobre idiomas, o povo de Dili é poliglota, de tal forma que nos deixa encabulados. Falam o Tétum, o Bahasa Indonesio, Inglês, os dialetos variados que por aqui existem e ainda há os que falam português. É impressionante e, mais uma vez, algo que nós brasileiros devemos aprender com os timorenses. A valorização da cultura de um país, a formação cidadã e a conquista da autonomia perpassa pela comunicação amigável, pelo resgate das origens culturais e linguísticas e pela educação bem estruturada que propicia isto.
Será que Blumenau conseguirá entender esse exemplo com relação à língua alemã? Será que o Brasil um dia entenderá a importância do ensino da Língua Portuguesa nas escolas? Será que haverá um dia em nosso país alguém que resolva assumir a educação com responsabilidade e que tenha vontade de ofertar um ensino de Inglês e Espanhol com um mínimo de respeito pela formação dos cidadãos brasileiros?
Esses são os questionamentos que hoje vão finalizar minhas reflexões sobre o fascinante universo da cidade de Dili que eu estou apenas começando a tatear.

Até

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

O começo de tudo...

Então, infelizmente demorei um pouco pra conseguir escrever pois muito havia o que ser feito nesse início em um outro país, outro continente... do outro lado do mundo!!! (inclusive descansar dos quase três dias de viagem!!!!)
Vou começar pela viagem. A longa espera em Guarulhos foi superada pela alegria de rever os meus companheiros que viajariam comigo e com quem compartilharei esta experiência em 2012. Conforme iam chegando, um por um, vindos dos quatro cantos do nosso Brasil, era uma festa, abraços e muitas... muitas... muitas risadas!!! Como é bom estar entre pessoas do bem!!
Embarcamos às 4:20 da manhã para Doha (capital do Qatar) sabendo que enfrentaríamos uma viagem de 13h e uma diferença de 7h a mais por conta dos fusos. Sobrevoei o deserto do Saara e vi lá de cima um pôr-do-sol indescritível... um mar de areia meio alaranjado e um céu de um azul divino, com aquele sol perfeito e o tom rosa que ia cedendo lugar à noite, bem de mansinho, numa elegância perfeita, obra de papai do céu! Não esquecerei jamais.
Dentro do avião teve pessoas desmaiando, comidas estranhas, 3 filmes, música, documentários, um chinês que passou longas horas comendo sementes de girassol, aeromoças muito bonitas (!!!) e diversas frescurinhas que a Cia aérea cria para justificar o elevado preço das passagens (ainda bem que a minha eu não paguei!).
Chegando na Arábia, acompanhei quando sobrevoamos o Mar Vermelho (aquele que supostamente Moisés teria aberto pra passagem do povo de não sei lá de onde!!!) Enfim... você vai percebendo como há países muuuuuito ricos nesse mundo! Vi castelos árabes muito iluminados, cidades (sei lá se eram) em formato de estrela, e chegamos à Doha... uma Babilônia!!! Não saímos do aeroporto, mas o que pudemos ver de lá me faz dizer isso com tranquilidade... Doha é babilônica!!!
Nesse aeroporto pessoas do mundo exótico se acotovelaram.... Africanos, muçulmanos, chineses / coreanos / japoneses ... com seus trajes diferentes e coloridos apareciam a todo instante...era noite, mas não sei que horário nem que dia estava, pois, a essa altura do campeonato eu estava naquele estado, queria comer pão com manteiga no café e as pessoas procuravam por uma janta... ou seja, eu que já sou perdido, fiquei um pouco pior.
Veio, então, o voo para Bali que pararia em Cingapura... voo tranquilo (aliás aqueles boeings enormes dão bastante tranquilidade e certo conforto aos passageiros)... Cingapura é algo de estranho a curioso. Claro que falo do aeroporto pois nós não saímos dele... aliás o único que conheço que é todo acarpetado (um carpete meio de tigre, sei lá). Ficamos apenas 3 horas no aeroporto e entraríamos no mesmo avião rumo à Bali, mas tivemos, mesmo assim, que descer, passar por toda aquela coisa de segurança, com pessoas nada amigáveis e esperar numa sala de embarque sem banheiro!!!! Isso não foi legal!!! Tínhamos acabado de sair de um voo de 7h de duração e mais 4h de fusos horários... agora eu já estava birutinha!!!
Fomos pra Bali... 4 horas de voo, mas o mesmo fuso, UFA! Chegamos de noitinha em Bali... mas não sei noitinha de qual dia!!! Bali é surreal, não deu pra ver muita coisa mas lá eu saí do aeroporto, fomos pra um hotel e dormimos... não antes sem uma janta típica e uma breve caminhada por um local que me deixou as seguintes impressões: caos total no trânsito (Blumenau é um paraíso, nunca mais vou reclamar!!!), tudo, das pessoas às casas, as decorações, as cores, o aeroporto, tudo muito exótico e merecedor de explorações maiores, e... enfim... com oferendas de pétalas de flores, incenso e sei mais o quê em todos os lugares... tipo... todos mesmo! Na frente das lojas, na porta de entrada das casas (tem que pular a macumbinha pra entrar!!!) no aeroporto... em tudo que é canto... e, desastradamente, eu chutei sem querer uma dessas!!!! Comecei bem!!!
No dia seguinte, pela manhã, o voo para Dili, capital do Timor, nosso destino tão esperado! O avião não transmitia muita segurança, os comissários eram... hmmm... bem diferentes... mas a comida era muito boa e as 2h40min de voo foram facilmente vencidos, principalmente por conta do visual alucinante do mar e das ilhas da Indonésia... Sensacional!
A chegada em Timor Leste foi emocionante e calorosa!!! Calor físico (muuuuito!!!) e calor humano de alguns companheiros que já haviam chegado antes de nós. De lá fomos pro hotel para um descanso que nem sei se hoje já aconteceu, pois ainda tenho uma sensação estranha por conta de tantas diferenças e mudanças bruscas que me aconteceram em tão pouco tempo... mas de uma coisa eu tenho certeza... está tudo valendo muito a pena, exatamente por conta de tantas mudanças, novas energias e novos rumos que a vida tem me proporcionado...
Mas pra deixar um gosto de “quero mais”, eu me despeço dizendo que ainda há muito pra se dizer... vamos sentindo tudo de mansinho “com a mente esperta, a espinha ereta, e o coração tranquilo...”
Até breve!!!