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terça-feira, 27 de março de 2012

Refletindo

Nos contos e causos que por cá escuto, atento-me aos que me acordam o sentimento, e aos que me provocam o pensar... e penso! Penso tanto que cansa-me o espírito de pensar, mas não desisto da tarefa pois, assim, aprendo, e muito!
Essa gente de vida mais que simples, de sorriso mais que mistério, de fala mais que alta e de desconfiança mais que evidente estão sabedorias das que brilham como ouro e prata, justamente um tesouro não valioso no mundo moderno do metal que compra vidas, sorrisos, mistérios e as falas.
Nem a vida, nem os sorrisos, muito menos o mistério dessa gente esconde as cicatrizes ainda bem abertas de uma história que insistem em nos contar, o que, no meu parco entendimento não é nada senão um apelo, uma súplica por defesa e proteção, ainda que a confiança em nós depositada seja evidentemente desconfiada. Uma desconfiança que reside na história de muitos “malaes” que por cá viveram e vivem, e se aproveitam das moças e moços dessa gente, que insistem em impor uma superioridade sem sentido, que sujam suas ruas e praias, que desvalorizam sua cultura e envergonham suas nações por eles aqui representadas e que nada enxergam a não ser os interesses próprios, de suas organizações e instituições.
Interessante como o mal institucionado tem uma força desumana e irresponsável. É capaz de dizimar um povo, de destruir as relações entre as pessoas e massacrar toda uma cultura em favor de intenções duvidosas e arbitrárias, desnutridas de nobreza e humanismo. Em contrapartida, o bem, que já é escasso individualmente, quando institucionado encontra todo o tipo de resistência para existir, dos entraves burocráticos aos impedimentos da preguiça, do orgulho e do egoísmo humanos.
Há que se encontrar um ponto de equilíbrio entre as duas forças energéticas que movem as intenções do homem. Que o mal exista na medida certa para nos fazer acreditar que exista algo bem melhor, e, assim criemos recursos tais de superação de intempéries e contrariedades. Que o bem tenha a força tal para não sucumbir às dificuldades necessárias para sua condução. Que o ser humano seja assim realmente, sinta sem restrições, emocione-se sem permissões, ame sem condições e, por ser humano, tenha a sabedoria de lidar com o bem e o mal sem moderações, com convicções e, acima de tudo, com determinações!!!

terça-feira, 20 de março de 2012

Cantando o Timor

Estar no Timor, é cantar... e, conforme o poeta, “quando o canto é reza, todo toque é santo!”

Escuto por aqui histórias de arrepiar os cabelos! Relatos da guerra, a “caçada” aos timorenses, a morte de parentes e amigos, a fuga e o esconderijo na floresta, nas montanhas, as torturas e massacres... e isso, dito por bocas que ainda não calaram a dor em si, mas não a transformam em motivo de depressão ou para despertar a piedade alheia, mas na intenção única de alertar a todos para que nada disso volte a acontecer... Nessas horas eu canto!

Leio textos de meus alunos falando das dificuldades por eles vencidas para estarem em um banco universitário. O orgulho que possuem por terem alcançado esse estágio e a vontade de ajudarem o seu país, ainda que não saibam como, mas, na visão deles, a universidade dará esse rumo!!! Contam-me da pobreza em que vivem seus familiares, da escassez na infância e da dificuldade em se manterem na capital do país, longe de todos e sem recursos que permitam que se alimentem adequadamente... Nessas horas eu canto!

Converso com professores que realizam trabalhos miraculosos com turmas de 100, 120 alunos e conseguem que estes construam conhecimentos e que consigam fazer reflexões valiosas a respeito das condições de seu país e de seu povo. A respeito do que aconteceu-lhes historicamente e do que há ao redor ainda hoje como ameaça. Da suposta ajuda das cooperações internacionais e da presença da ONU neste território. Da força da religião por aqui e da esperança que todo esse conhecimento venha trazer-lhes algum alívio nacional... nessas horas eu canto!

Comparo tudo isso que vejo por aqui com aquilo que deixei no meu país. Vejo aqui ainda a impunidade daqueles que exterminaram 200 mil pessoas timorenses impiedosamente, assim como vejo a impunidade daqueles que torturaram e mataram muitos brasileiros que queriam um país realmente livre e democrático. Vejo aqui uma elite que usufrui de riquezas e uma multidão de pessoas que se alimenta precariamente, assim como vejo os políticos brasileiros fazerem carreira político e pouco contribuírem para sanar nossas carências mais elementares. Mas vejo aqui uma unanimidade com relação à Educação e ao papel do educador que jamais, nem de longe, percebi na sociedade brasileira. Nessas horas... eu paro de cantar!!!!

sexta-feira, 9 de março de 2012

Refletindo..

Diak ka lae
Nessas minhas andanças pela educação eu já tive oportunidades preciosas as quais agradeço sempre por ter vivido. Trabalhar com crianças, com pessoas especiais, com idosos, dar cursos em presídio, lidar com adolescentes, jovens adultos em cursos de graduação e pós-graduação, compartilhar saberes em formação de professores nos diversos espaços do Brasil que me foram designados, tudo isso me traz alegria, experiência e regozijo. Isso em contar nos momentos “informais” com pessoas iluminadas e que sempre me trouxeram grandes ensinamentos. Lidar com gente não tem preço, não tem tempo certo nem palavras pra descrever... é vida!
No entanto, o que vivo aqui em Timor-Leste é “bue fixe”, como dizem os amigos portugueses que já fiz por cá. O meu “eu-educador” está sendo educado de uma maneira tão intensa quanto o meu “eu-pessoa”... e nem sei se essa separação cabe, mas prefiro assim.
A postura dos alunos timorenses é algo de inusitado e, talvez, motivo de riso para os brasileiros que já se julgam superiores e adotaram a postura imperialista que está sendo incutida sutilmente em nossa cultura.
A cada aula que dou, surpreendo-me e me emociono com detalhes que, para mim, fazem toda a diferença. “Professor, obrigado pela oportunidade de participar de sua aula, gostaria de ler o meu texto para o senhor e meus colegas!” Assim falam todos os alunos, de pé, antes de responderem qualquer questão. E são ouvidos com respeito e atenção por todos em sala. Aqui, o momento em sala de aula é a oportunidade que eles possuem de aprenderem, crescerem e, futuramente, ajudar o país deles!
Esse respeito e consideração mistura-se à humildade que transmitem no olhar, na voz e nos gestos quando, ao serem por mim corrigidos em suas tarefas, estendem a mão, olham-me nos olhos e dizem “Obrigado, professor”... fica no ar o complemento desta frase – “por estar me ajudando”.
E há brincadeiras, há discordâncias, há tudo o que uma sala de aula normal possui. No entanto há também o respeito, a vontade de aprender e a consideração com os demais presentes.
Reclamar do calor em uma sala de aula com mais de 40 alunos e apenas um ventilador não resolve o problema da temperatura. Reclamar do salário pequeno recebido pelos professores e usar isso como desculpa para um trabalho desclassificado e desumano na educação também não resolve nada. Reclamar por que não há condições físicas de trabalho e se desmotivar com tudo isso não é a solução.
Meus amigos educadores – professores ou não – se o caos está instalado na educação brasileira, não há maiores responsáveis por isso que nós mesmos, quer como profissionais da educação que historicamente não estamos exercendo nosso ofício com a qualidade que juramos ao nos graduarmos, que como cidadãos que não estamos sabendo construir o respeito nos ambientes e relações em nosso país.
Em Timor, o professor é respeitado e impõe-se a partir do trabalho de qualidade que faz, com recursos tão escassos quanto os que encontramos na maioria das escolas do Brasil. Não há livros para os alunos; as salas de aula possuem, no mínimo, 50 alunos; o salário médio de professores com graduação é de 200 dólares, não há fotocopiadoras, não há retroprojetores, não há computadores, não há tecnologia; os quadros são realmente negros, pintados nas paredes; as carteiras são daquelas antigas que sentam-se 3 alunos juntos; há poucos ventiladores; não há bebedouros na universidade; as bibliotecas são escassas.
No entanto, não há evasão escolar, os professores se dedicam de corpo e alma à sua tarefa educacional, os alunos têm sede de aprender, o sindicato dos professores pressiona o governo e consegue diversos benefícios para a Educação – dentro das possibilidades do país – exatamente porque entende-se a importância e reconhece-se a qualidade do que é feito, dadas as complicações encontradas.
No Brasil, temos a péssima mania de responsabilizarmos uma terceira pessoa pelos problemas que encontramos. Muitas vezes essas pessoas são os políticos que governam o país. No entanto, esquece-se que não é o político que está na sala de aula formando seres humanos e opiniões. Nós, professores, possuímos uma força incrível em mudar a nossa realidade e a realidade de todos. Com nossos alunos, ensinando-os a agir pela modificação coletiva. Entre nós, estudando e realizando um trabalho digno de excelência. E nos diversos meios sociais que participamos, discutindo, denunciando, alimentando os pensamentos e, principalmente, impedindo que pessoas incompetentes voltem ao poder. Nós fazemos os políticos de nosso país! Vamos pensar nisso!
Obrigado Barak !

sábado, 3 de março de 2012

Pensando...

“Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é!”
Na sabedoria de Caetano, as aventuras e desventuras que tenho percebido em meu quase mês em Timor-Leste. Até pensei em começar este texto com algum título do tipo “Timor-paradoxo-leste”, mas achei que seria pretensão de um estrangeiro – malae como aqui se diz – que vem de um país que é igualmente um paradoxo, onde há mendigos nas esquinas, uma sistema de justiça injusta, um bando de caciques brincando de mandar, mas um país querendo se bancar de desenvolvido... enfim... isso é papo pra outra hora!
Timor é um delícia... uma delícia dolorosa de se provar! Vive-se um calor de dar inveja ao Inferno, o Sol aqui faz questão de nos mostrar o quão quente e poderoso ele é... um verdadeiro Deus. Isso faz com que o mar seja o mais belo que eu já pensei em ver. O contraste do verde das montanhas com o azul indescritível é fascinante. E há quem me diga que ainda fará mais calor nos meses de junho e julho quando for o período de seca. Vejamos!
O país vive um momento político interessante. Aquelas pessoas que, no passado, lideraram a imprescindível guerrilha para romper definitivamente com os desmandos da Indonésia, hoje mostram-se incompetentes para governar um país com riquezas e muita pobreza... um país que possui praias mais belas que as de Bali e um IDH que é a metade de países com dificuldades como a Bolívia.
Um país que demonstra ter uma preocupação com a Educação, porém com modelos e perspectivas ocidentais em uma realidade totalmente oriental... acreditem, o conceito de vida e de organização social no oriente é diferente, bem diferente, daquilo que estamos acostumados. Seguem alguns, poucos, exemplos:
- Praia não é sinônimo de lugar para exibir corpos, tomar banho de sol, nadar ou coisa do gênero. Praia é um lugar belo, dado pela natureza, para se reunir família, amigos, companheiros, descansar, ouvir música, fazer um piquenique e se desfrutar do cenário existente.
- Trabalho não é sinônimo de escravização, mas de necessidade humana. Trabalha-se o necessário por dia, nem mais nem menos, porque o dia também precisa ser compartilhado com parentes e amigos.
Pensando nisto, muito me vem à cabeça e ao sentimento. Vejo o ritmo alucinado de trabalho que tinha no Brasil e comparo com o ritmo disciplinado que tenho agora. Deixei de aprender muita coisa porque eu tinha que trabalhar, porque eu tinha que ganhar tantos reais para pagar tantas contas. Trabalhei um tanto que nunca foi valorizado nem pelo meu ambiente de trabalho, tampouco pelo meu país. Ou eu deixava de lado momentos de lazer porque estava cansado ou para me preservar, ou eu jogava tudo para o alto e trabalhava cansado colocando em risco a minha saúde.
Hoje, quando entro numa sala de aula e alunos me agradecem pela minha presença em seu país, quando converso com professores da Universidade onde trabalho e percebo o quão importante o meu trabalho é para o local onde todos estamos, quando percebo que uma aula de 2 horas foi vencida com muita dificuldade e suor (literalmente) mas que algo realmente fez sentido para aquelas pessoas, eu percebo que algo estava muito errado e eu, cego pela pressa de uma escravidão, não conseguia perceber.
O Timor está longe de ser um paraíso de almas iluminadas, mas para mim, nesse primeiro mês de vivência aqui, o Timor iluminou um paraíso existente em mim e que a minha pátria não mediu esforços em apagar diariamente.
Estou me sentindo um educador de novo, estou sentindo que há caminhos possíveis, que compartilhar é imprescindível e que eu ainda tenho muito o que aprender porque tudo está apenas começando...
Uma coisa é certa, não há progresso, dinheiro, conforto que mereça o sacrifício de meus dias, muito menos de meu tempo de aprendizado e a delícia de perceber isso reside na dor de renúncias que todos poderíamos aprender a realizar... devagarzinho... de mansinho... mas com vontade!