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quinta-feira, 17 de maio de 2012

Língua Portuguesa em Timor-Leste: Paradoxo Brasil e Portugal!

“Revolta, raiva ou similar” seriam os melhores termos para expressar um sentimento que tenho, mas talvez isso anularia o que venho desenvolvendo dentro de mim ao longo de anos no que diz respeito à espiritualidade. Uso portanto “indignação”, que é politicamente correto, satisfaz os meus desgostos e contribui para a possibilidade de alguma mudança.
Os nossos colonizadores portugueses, sua postura dominadora exploratória, seus interesses desumanos e sua incompetência administrativa têm sido evidentes na história de muitas vidas e países ontem, hoje e sei lá eu por quanto tempo.
No Brasil, exploraram e mataram centenas de nativos indígenas sob o argumento exploratório desrespeitoso. Fundaram vilas e cidades colocando cidadãos de índole duvidosa para “administrá-las” de forma a atender o enriquecimento da coroa. Como não sabiam - e nem queriam saber – desenvolver trabalho braçal pesado, cruelmente escravizaram cidadãos africanos, impondo-lhes língua, cultura e credo, da forma mais animal e aterrorizante possível,  que nem Hitler teve competência carnívora para apagar. Forjaram uma independência, pois não conseguiam mais “dar conta” de um país grande e diverso como o nosso, venderam-no para a Inglaterra e deixaram em nossas terras um legado de problemas, injustiças sociais, crueldades e baixarias que amargamos até hoje.
Em Timor-Leste não foi diferente. Mesmo estando neste território desde 1560, pouco fizeram para, de alguma forma, contribuir para os nativos timorenses, se é que era necessária alguma contribuição, visto que, dentro de sua lógica de vida e necessidades, vivem muito bem, apesar de nós “malaes”. Enfim, aqui a Igreja Católica também foi usada para - e fez uso da - oportunidade colonialista. Usando as preces em língua portuguesa, auxiliaram a disseminação do idioma e ampliaram seus domínios religiosos. Enquanto a política cruel feria, explorava e matava, a “bondade” cristã acalmava corações e almas em língua portuguesa, idioma europeu mais evoluído e de prestígio. Após pequenas e desimportantes ações educacionais, somente no século XX, depois da década de 60, há um empenho maior do governo português – leia-se ditadura Salazar – em fundar escolas, trazer missionários e, claro, soldados, que contribuíram para o uso do português por cá. Conseguiram até a proeza de elevar a taxa de alfabetização – em língua portuguesa, é claro! – de 24%, em 1971, para 77%, em 1974. Quando resolveram sair do país, deixarem este ao léu, frágil e sem maiores estruturas governamentais, o que favoreceu o domínio devastador da Indonésia, em 1975, que, entre outras insanidades, proibiu o uso do português em território nacional, mas isso merece outros textos de comentários meus. Detalhe: descobriram petróleo por aqui neste meio tempo!
Hoje o que vemos é um cenário que só não é caótico porque a lógica aqui é bem outra da nossa ocidental, e eu sou uma pessoa otimista. Os portugueses ainda se acham no direito de se indignar com a dificuldade de aprendizado de língua portuguesa dos alunos timorenses. Bem, juntem o que escrevi anteriormente com a situação política-econômica em que Portugal se encontra e podemos compreender bem a situação. E que se abra aqui um parênteses com a fala do primeiro-ministro atual de Portugal dizendo que o desemprego em terras lusitanas poderia ser uma oportunidade para os cidadãos portugueses e que estes deveriam imigrar e procurar outros campos de trabalho (!!!). Bem, isto é fato! Se Portugal estivesse muito favorável, não haveria por cá tantos portugueses.
Os brasileiros, por sua vez, ainda que com boa-vontade, nem sempre se ajustam a essa realidade difícil, quer por desconhecimento, quer por intolerância, quer por falta de vontade. Os estímulos sociais em Timor para o uso do idioma ainda são tímidos perto do que deveria ser, no entanto as prioridades governamentais são outras e com isso concordo plenamente.
Já o governo brasileiro não me parece muito interessado em atuar por aqui visto que os interesses do Brasil hoje são outros, parece-me que de colônia explorada o Brasil quer assumir um papel de Imperialista no contexto internacional, ainda que a política interna, ao meu ver, seja uma das melhores que já tivemos, estando longe, é claro, de ser o que realmente precisamos.
E eu, ironicamente, estou aqu,i em Timor-Leste, na pretensão de contribuir de alguma forma para o ensino de Língua Portuguesa em nível universitário. Meus amigos, esse é o meu pretexto, porque o meu papel de educador transcende esses pormenores. Mas meu caráter crítico analista a todo dia me traz à mente a seguinte questão: “Qual a real importância da Língua Portuguesa em Timor-Leste?” Trabalho pensando nisto, ouvindo meus alunos, conversando com as pessoas, dando-me de corpo e alma a elas, tendo as energias sorvidas por um povo que ainda dorme sob os pesadelos de uma guerra que não foi esquecida e, diga-se de passagem, não se quer esquecer, pois as atrocidades cometidas ainda não foram totalmente investigadas e seus responsáveis chamados a responder por elas.
Uma coisa eu lhes digo, não defendo jamais a ideia de culpa, mas sim de responsabilidade. Somos responsáveis pelo que fazemos e deixamos de fazer – o que é uma forma de fazer – e devemos sempre ser lembrados por isso. O esquecimento não traz aprendizado, assim como a verdade nos mostra os caminhos que melhor nos auxiliaram.
Portugal e Brasil, cada um em sua particularidade, não assumiram suas responsabilidades e nem encontraram verdades que possam estar consonantes com as verdades timorenses e isso me faz questionar sempre o que aqueles países fazem por aqui, quais as suas reais contribuições para este povo, sob a perspectiva deste povo e não sob suas visões egoísticas. Teria respostas, mas guardo-as para mim, são minhas verdades, cada um tem a sua!

domingo, 13 de maio de 2012

Lição de patriotismo

Uma outra questão importante a ser discutida com base nas experiências que estou tendo por cá diz respeito ao sentimento patriota e nacionalista do povo timorense. Diferentemente de nós, brasileiros, esse povo construiu a duras penas a sua pátria. E entendam, não estou eu aqui a dizer que nós não suamos a camisa em nosso dia a dia pelo amor ao nosso país (alguns não têm mesmo!) O que acontece no Brasil é mais uma luta pela sobrevivência e uma gana por acúmulo de riquezas desnecessárias.
O que vejo aqui é algo bem diferente! Lutaram por tornarem-se independentes de Portugal – e sabemos bem do caráter exploratório desse domínio e da incompetência administrativa que os companheiros portugueses possuem (vide Macau, Goa, Angola e nós mesmos) – sofreram invasões na 2ª. Guerra Mundial servindo de ponto estratégico para ataques japoneses e, quando se descobre petróleo por cá, sofreram o massacre da ocupação indonésia comandada pelo monstruoso Suharto. Para restabelecer a Independência que já possuíam e assumirem o seu país, os timorenses pagaram com sangue e destruição, dor, lágrimas, sofrimentos sem dó... E há 10 anos começaram tudo do zero.
O hino timorense, já publicado neste blog, mostra bem essa luta... a bandeira, com um triângulo preto, que representa o obscurantismo  a ser superado, um triângulo amarelo, que representa os traços do colonialismo, marcas de um passado, e a base vermelha que toma mais da metade da bandeira, representando a luta – com muito sangue – pela liberdade do país, tendo como guia a estrela – branca – da cor da paz que eles tanto anseiam. Nos primeiros minutos do dia 20 de maio de 2002, a bandeira da ONU foi descida vagarosamente enquanto que a bandeira oficial do país foi hasteada, sob lágrimas de toda a multidão que ali se aglomerava feliz, saudosa de parentes e amigos que deram suas vidas por aquele momento.
As cicatrizes dessa guerra não sararam ainda, mas as mágoas e dores foram convertidas num sentimento que denota a ideia de que, apesar de ter sido do jeito que foi, Timor-Leste agora é dos timorenses, e com todas as dificuldades existentes, são os timorenses quem conduzirão o seu país. Aceita-se ajuda internacional, mas no leme quem capitaneia são os interesses deste povo, pois já foi duro demais deixar o país nas mãos de quem não soube o que é respeito e dignidade humana.
Com essas palavras, fica bem fácil entender porque este mês de maio é tão importante para este povo, porque enfeitam suas casas, prédios, carros, ruas, vestem camisetas com a bandeira nacional, a qual está hasteada em todos os lugares possíveis. Nem que seja de forma bem rústica e simples, a alegria deste povo em sustentar um símbolo que muito significa para o povo timorense. Uma conquista, uma dor, um orgulho... um misto de sentimentos e emoções de um povo que não canta seu hino em copa do mundo, porque não possuem time de futebol... que não faz passeata com caras pintadas, porque seus governantes, ainda que a nós não pareçam os ideias, são aclamados popularmente e apoiados por todos... um país que não proíbe seu povo de usar sua bandeira e cores nacionais como nos aconteceu no período da ditadura... um país que é pobre sim, mas que não há fome, pois o sentido de economia solidária e agricultura familiar funciona sem necessidade de reforma agrária, movimentos sem-terra, coronéis latifundiários escravocratas e desonrosos políticos e suas leis ilícitas e desumanas... É um país com poucos recursos materiais e grandes potencialidades humanas e as religiões, fortes e mais que presentes, são um refresco para a dor e um alento para a esperança, não um afronta à organização política, ou se aventurando a manipular meios de comunicação, opiniões e leis por conta de seus interesses próprios, assumindo uma nova forma de colonialismo religioso...
Meus queridos, vivendo isso tudo, não há como entender que no Brasil, o cheiro patriota que possuímos tem sido responsável por reeleger incompetentes e manter esse carnaval que aí está há anos, cuja quarta-feira de cinzas não chega nunca, pois é necessário que todos acordem cedo pra trabalhar como máquinas pois, afinal, estamos construindo o Brasil do Futuro!
Aqui no Timor, um país perdido num passado distante, sinto-me anos-luz a frente e hoje entendo o significado de patriotismo!
Loron diak hotu-hotu!

terça-feira, 1 de maio de 2012

Ataúro

O Mar do Timor certamente ficará para sempre em minha memória... a água mais cristalina que já vi, o azul mais belo e as fantásticas maravilhas que ali habitam são, para mim, algo fascinante e motivo de reflexão e aprendizado... para isso cá estou!
Neste final de semana fui com alguns amigos para uma ilha – Ataúro - que fica em frente de Díli, a capital do país. Parece perto, mas a viagem demora mais de 2 horas de barco. O sol estava firme e forte, como sempre, e a alegria e espírito aventureiro em alta para desbravar mais um paraíso timorense.
Lá chegando, pegamos o transporte local – tuk-tuk – uma moto que puxa um carrinho onde vão 6 pessoas sentadas. É uma aventura andar naquilo e eu adorei. O preço pra “malae”(gringos) é sempre maior do que pra timorenses... uma constante que enfrentamos por cá. Enfim, um lugar de muito verde, mar lindo, silêncio e muita paz. Nossa pousada – Manukoko – fica há uns 20 minutos do píer onde desembarcamos e é super aconchegante, dentro de sua simplicidade, da paz que a rodeia. 
A vila é algo de encantador... é como se tivesse voltado uns 50 anos no tempo, em uma cidade do interior brasileiro... a igrejinha... as casinhas com telhado de palha de coqueiros... a escolinha... plantações e animais... tudo muito simples... tudo muito calmo e belo... e crianças por todos os lados vindo brincar conosco, pedindo para sair em nossas fotos... algo de muita energia positiva!
A fábrica de bonecas de Ataúro – uma cooperativa de costureiras que faz bonecas de pano e bolsas – fica em frente de nossa pousada. Algo de inusitado pois a forma como trabalham as senhoras e a produção exposta para venda é algo de interessante... sem maiores preocupações com a estética de mostruários, as mercadorias ali estão em estantes e armários para os interessados... e algumas senhoras atendem e conversam com as pessoas... com uma alegria e um orgulho do que fazem que sempre nos faz repensar o sentido do trabalho na sociedade!
Após uma noite pra lá de agradável, iluminada por lampiões, preenchida com música de violão, um jantar gostoso e ótima companhia, o domingo amanheceu prometendo grandes aventuras. Não porque era meu aniversário, ou porque a chuva caída à noite havia refrescado o clima um pouco mais causando uma sensação térmica pra lá de agradável. Mas porque havíamos planejado um passeio de barco com direito a mergulhos nas águas de Ataúro.
Pois bem, a hora combinada chegou e lá fomos nós, quatro malaes, sem maiores preparos físicos, rumo a algo que nos parecia legal... e foi! Muito mesmo! A começar pelo meio de transporte, uma espécie de canoa esculpida em um tronco de madeira, com duas traves laterais de bambu que garantiam seu equilíbrio e um motor conduzido por um timorense – Zé – que não falava uma palavra sequer em português... apenas tétum, a língua local a qual todos nós estamos arranhando e sobrevivendo.
A cor da água é algo que merece destaque... um azul indescritível... cristalina... límpida e convidativa... temperatura amena... algo que nunca havia visto antes. Permitia que os raios do sol entrassem iluminando seus corais, refletindo suas cores e transformando tudo aquilo num cenário fenomenal.
As cores que vi, do azul Royal ao azul celeste, do roxo ao lilás, do vermelho ao rosa passando pelo dourado e os tons terrosos, as texturas aveludadas, plumadas e metálicas, ora rugosas e firmes, oras sensíveis ao balanço do mar... os peixes multicoloridos e de formatos vairados... as estrelas do mar que mais pareciam de pelúcia fina e sedosa... nadei entre cardumes muito grandes... passeei com os amigos marinhos... parecia ouvir uma sinfonia ao fundo... uma música celestial que servisse de trilha sonora para toda aquela maravilha que ali estava ao meu alcance... poderia ser uma alucinação lisérgica... poderia ser tudo imaginação de minha mente sempre alterada... mas era tudo tão real que chegava a me espantar... tal a beleza... o balé aquático executado... e o carinho amistoso com que todas aquelas criaturas me desejavam Feliz Aniversário... fazia tempo que não me sentia tão privilegiado quanto aqueles instantes que jamais sairão de minha mente e que sempre merecerão meu respeito e veneração!
Se eu já havia tido reflexões profundas sobre o mar em outros tempos idos... agora eu as reforço... Seria esse mar imenso e misterioso apenas um palco para espetáculos de tamanha grandiosidade? Nós, humanos, precisamos de aulas de humildade para entender a magnitude da natureza e nos colocarmos no devido lugar dentro dela... nem mais, nem menos!
Loron diak hotu hotu!