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sábado, 13 de outubro de 2012

Relatos Timorenses X


“Eles me levaram para uma sala com pouca luz. Eu estava há três dias sem dormir direito depois de que me levaram para aquela prisão em Jakarta. Tiraram a minha roupa e me sentaram em uma cadeira de ferro no meio de um chão com água. Ali colocaram fios de eletricidade nos pés da cadeira e cada vez que me faziam uma pergunta, davam choque elétrico em mim. Eu berrei muito, mas não disse nada que eles queriam. Depois eles botaram os pés de outra cadeira em cima dos meus pés e sentaram em cima. Continuaram as perguntas, mas não respondi.  Naquela altura eu já estava muito cansado e ferido. Então eles colocaram um ferro que estava muito aquecido e vermelho como fogo em minhas costas, bem aqui, professor (virou-se e mostrou-me as marcas de queimaduras). Mas eu não respondi nada, professor. Porque se queremos ser resistentes aos dominadores e defender o nosso povo, não podemos ser fracos... não podemos desistir... precisamos merecer a confiança de nosso povo e lutar até o fim. Eu não precisei morrer, mas alguns colegas morreram... muitos morreram, para que Timor-Leste existisse hoje.”

(Este homem é professor de Direitos Humanos em duas universidades timorenses além de conduzir uma instituição que auxilia os jovens timorenses quanto à escola e o trabalho informal)

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Relatos Timorenses IX


“Professor, quando alguém vai casar tem que pagar o barlaque que é da nossa cultura. É uma forma de valorizar a mulher. O homem e sua família dão o barlaque para a família da mulher. Para pagar o barlaque deve se dar búfalos, porcos, cabritos e dinheiro. Cada distrito tem um valor diferente para o barlaque. As famílias combinam os valores e acontece a cerimônia de entrega do barlaque e para fazer o compromisso do casamento (noivado). Toda a família do noivo e toda a família da noiva são convidados, também os amigos e outros convidados. Acontece as orações e os votos do noivo e da noiva. E acontece uma refeição com muitas comidas e bebidas para todos. É muito bonito e importante. Depois passa o tempo para preparar o casamento e os noivos se casam com a bênção de Deus, como tem que ser.
- Então o barlaque tem valor diferente dependendo do distrito timorense?
Sim, professor. O distrito de Lospalos é o mais caro de barlaque. (muitos risos!) Para casar com as mulheres de lá os homens tem que ter muito dinheiro. (mais risos!) As mulheres de Lospalos são mais valiosas! (risos altos!)
- E onde é que é mais barato o barlaque?
Em Oécussi, professor. Lá é distante. Pouca gente quer ir para lá casar. Então é mais barato! Coitadinha das mulheres de Oécussi, professor! (muitos risos)
- Não parece a vocês que os homens compram as mulheres para serem suas esposas e depois elas têm que obedecer a eles durante toda a sua vida?
Não professor, a mulher que recebe o barlaque é valorizada... foi escolhida especialmente. Em troca ela dedica-se ao marido, aos filhos e ao lar. O barlaque é da nossa cultura, professor. É muito importante para construir as famílias de bem.
- E os meninos, o que pensam do barlaque?
Eu quero, professor, trabalhar e poder ter condições de pagar o barlaque de uma mulher que é muito especial para mim. Um homem que não consegue isso professor, é um coitadinho. Não cumpriu seu dever de homem de bem.”

(Uma de minhas aulas com alunos de Geologia e Petróleo sobre as questões culturais timorenses e que, como tantas outras aulas, balançaram minhas verdades e me transformaram em um grande ponto de interrogação!)

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Relatos VIII


“- Eles vinham em bandos, entravam em nossas casas, destruíam os móveis e as poucas coisas que havia. Quebravam as janelas e levavam as pessoas para fora. Algumas eles matavam, outras eles levavam presas. Por fim colocavam fogo nas casas, nos lençóis e nas roupas dos armários. Nossos animas e verduras eles levavam para alimentar os outros soldados. Meu pai eu vi morrer no terreno ao lado de nossa casa quando ele tentou impedir um soldado de bater em minha mãe. Meu irmão mais velho foi levado pelos cabelos para dentro de uma carrinha e eu nunca mais vi. Eu, minha mãe e minhas irmãs fomos para um campo de prisioneiros. Lá eu lembro que tinha muita fome e que fiquei doente.  Um dia a comida era casaca de batatas cruas dentro de uma bacia com água quente. Os soldados chamaram de sopa de legumes. Eu fui levada para um posto hospitalar da cruz vermelha. Lá eu me recuperei e só muito tempo depois eu reencontrei minhas irmãs.
- E  sua mãe? Não a viu mais?
- Não! As minhas irmãs disseram que ela ficou doente e morreu no campo dos prisioneiros. Seu corpo foi queimado junto com os outros doentes que morreram. Assim os indonésios faziam para não espalhar a doença para as pessoas.”

(Eu me segurava para não chorar, ela, professora universitária, colega timorense, contava sua história com um orgulho de ter algo que comprovasse que era especial, afinal, ela havia sobrevivido a tudo aquilo e, hoje, estava se preparando para desfrutar de uma bolsa de estudos para seu doutoramento em Portugal)

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Relatos Timorenses VII


“O governo só pensa em dinheiro. Nas riquezas do petróleo, da Austrália e dos países desenvolvidos. O governo não pensa no povo. E foi o povo que fez o governo. As pessoas que fazem o governo hoje são pessoas do povo. Mas que estudaram fora de Timor-Leste. Tiveram oportunidades  e saíram daqui. Muitos fugiram na dominação Indonésia e depois voltaram. Pessoas que puderam conhecer ciência e tecnologia. Fazer cursos de Mestrado e Doutoramento e voltaram para Timor-Leste depois da independência. Essas pessoas acham que são mais importantes que o povo. Falaram que queriam ajudar o povo timorense e viraram políticos, chefes, ministros e secretários de estado. E parece que esquecem do povo e das dificuldades do povo. Mas o povo timorense não vai deixar ser assim por muito tempo. Demorou 25 anos para tirarmos a Indonésia de Timor-Leste com o sangue dos nossos heróis. Se o povo não perceber mudanças positivas, vai também tirar daqui o governo que não faz o que precisa fazer.”

(Assim me disse um professor da universidade, líder comunitário e que foi preso e torturado durante a ocupação indonésia)

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Relatos timorenses VI


“ Eu não sei falar muito bem Língua Português. No tempo da Indonésia era proibido então os timorenses não podiam falar Língua Português. Na escola primária e na secundária só falava Língua Tétum e Língua Indonésia. Agora na escola da universidade tem que falar Língua Português. Mas tem professores que não falam. Tem professores que dá aulas em Língua Indonésia, porque dominação Indonésia. Tem professores que dá aulas em Língua Tétum, porque língua oficial Timor Lorosae. Tem professores que dá aula em Língua Inglês, porque ONU e porque Austrália. Agora tem professores que dá aula em Língua Português, porque de novo os portugueses estão em Timor-Leste. Também o governo timorense decidiu que Língua Português é também língua oficial de Timor-Leste. Professor, qual outro país vem para Timor-Leste e vai obrigar os timorenses a falarem sua língua? Aqui é sempre assim!”

(Um aluno, em uma de minhas aulas em que estávamos discutindo o porquê do ensino de português em Timor-Leste)