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segunda-feira, 16 de abril de 2012

LORON dIAK

Quando se pensa em Timor, uma gama de problemas vêm à mente da gente diante de um histórico de invasões e guerras aqui vividas. No entanto, quando se vive em Timor, exercemos o entendimento de algumas situações que nos fazem repensar atitudes e verdades que antes nos pareciam confortáveis.
Estava eu em uma de minhas aulas de ensino de Língua Portuguesa – o que, diga-se de passagem, é uma experiência interessantíssima por si só – quando fui interrogado por um grupo de alunos com uma apropriação de assunto que tirou-me o chão e me fez o aprendiz em lugar do instrutor.
Primeiramente o aluno me pergunta qual o motivo de aprenderem o Português. A resposta mecânica seria a justificativa por ser um dos idiomas oficiais de seu país, ou ainda por ser a língua da resistência contra a invasão Indonésia, ou mais ainda pelo resgaste das raízes culturais de seu povo... enfim, naquele momento, nenhuma dessas razões óbvias me pareciam tão justas assim, uma vez que, para a geração mais jovem – representada por 70% da população – o Português era algo distante de sua realidade social, funcionando como uma língua estrangeira. Poucos são os ambientes sociais em que o Português é usado amplamente, sendo o Tétum a língua social da Comunicação. Ficou o professor a justificar através das possibilidades comunicativas que o idioma poderia trazer a eles, bem como entenderem mais um pouco da sociedade atual timorense que foi construída com bases na cultura portuguesa, com o uso de seu idioma influenciando até mesmo a formação do Tétum.
Um outro aluno pergunta então por que o português dos brasileiros era melhor e mais fácil que o português dos portugueses. Mais uma “saia justa” que o professor-aprendiz teve que buscar recursos diplomáticos e inteligentes para tentar entender o que realmente estava acontecendo. Ora, a língua portuguesa não é nada fácil em nenhum país dado o tempo longo em que vem sendo utilizada e modificada. Portanto talvez o nosso uso brasileiro de alguma forma atrai a simpatia dos timorenses. Constatei o fato de que falamos um pouco mais devagar que os colegas portugueses e talvez isso seja um facilitador do aprendizado e compreensão. Certamente a nossa informalidade e descontração atua positivamente nesse contexto, pois temos um carisma que é de reconhecimento internacional e uma das nossas características mais fortes. No entanto, os nossos sotaques e maneiras de falar o português do Brasil parece-me um ponto gerador de problema. Mas, ainda assim, os timorenses preferem nosso português e entendem que terão o seu próprio modo de usar o idioma sem que nós possamos, ou devamos, interferir na construção.
Mas foi a terceira pergunta capciosa que mais me fez “tremer nas bases”. Além das línguas maternas que possuem – alguns timorenses falam duas ou três delas – precisam falar o Tétum para haver uma comunicação nacional. Por conta da invasão indonésia, o português foi proibido e foram obrigados a aprenderem a língua indonésia. Com a restauração da Independência do país, a língua portuguesa retoma o cenário linguístico do país, fazendo com que voltasse a ser estudada e usada oficialmente, ainda que nem tanto amplamente assim. Isso sem falar na grande presença da Língua Inglesa, dada a proximidade com a Austrália e a presença da ONU no país. Frente a esse conturbado contexto, vem a pergunta que me calou a alma: “Professor, qual outra nação vai nos invadir e forçar-nos a aprender seu idioma?”
Consegui dizer-lhes em tom sério: “Espero que nós não deixemos que outras invasões aconteçam por aqui, e que a língua portuguesa sirva de instrumento de defesa também!”
Até quando teremos uma nação se sobrepondo às demais? Por que o caráter invasivo e dominador de alguns? Porque tudo converge para o interesse material em detrimento do humano? Quando as pessoas conseguirão entenderem-se como irmãs e companheiras e não como adversárias em plena competição? Essas e outras questões conflituosas me permeiam o pensamento a cada situação-problema que vivo por aqui. A pergunta preocupada do aluno perturbou os sentimentos do professor, mas na verdade foi uma voz ainda ferida de uma nação que, por ser pequena e com outras prioridades que não a guerra e a exploração econômica foi sempre vítima de outras que pretendem ser bem mais do que realmente são. De que lado está o Brasil?

sábado, 14 de abril de 2012

Pensando a educação em Timor

Educar não é tarefa fácil. Muito menos educar em um país com uma cultura diferente da sua. E eu aqui em Timor-Leste tenho essa tarefa a qual, ingenuamente, comecei de trás pra frente. Preparei material que julgava importante e interessante, selecionei textos e estratégias metodológicas, estudei e reli Paulo Freire, e esqueci da lição mais elementar deste processo: educar a mim mesmo.
Eu, professor bem nutrido, vindo de um país que se julga desenvolvido mas que mal deu os primeiros passos para isto, repleto de esteriótipos educacionais – alguns, confesso, preconceituosos – com diplomas e leituras que, no meu parco entendimento, me fariam preparado para qualquer desafio na Educação, vim para este país com a função de colaborar com o ensino de Língua Portuguesa, um dos idiomas oficiais, porém com recente “empenho” da nação em seu estudo sistematizado.
Olha... talvez seja esse o fascínio de um educador: descobrir-se despreparado a cada novo desafio, perceber suas incompetências e... agir! Porque há duas possibilidades aqui: desespero ou busca por algum caminho mais interessante. Conforme o poeta norte-americano Robert Frost, que, em “The Road not taken – o caminho não percorrido”, mostra-nos bifurcações da vida que nos exigem decisão e coragem, escolhi a segunda alternativa que possuía, a qual, à forma do poema citado, “fez toda a diferença”.
Comecei por um trabalho interno muito grande, que demandou muita reflexão e precisei me despir das couraças que o sistema acadêmico brasileiro nos impinge, dos orgulhos inúteis fiz humilde aprendizado; das teorias insólitas, observação da realidade existente; dos discursos prontos, novas escrituras e atitudes; e, com uma boa dose de coragem e boa vontade, iniciei efetivamente meu trabalho.
Hoje, a cada cabeçada que dou no cotidiano de minha atuação profissional, a cada sucesso ou fracasso aparentes, revendo todo o processo organizado, percebo que nasce em mim um novo educador. Não aquele formado e diplomado. Mas aquele que está se construindo a partir de confrontos e paradoxos. Aquele que vem surgindo de um terreno aparentemente despreparado, mas que demonstra um vigor indiferente às suas condições de existência. Um educador que está engatinhando na tarefa do ensinar, apesar da bagagem de experiência adquirida ao longo de alguns anos, e que entendeu que a maior lição a ser aprendida já nos foi dada há tempos: “só sei que nada sei!”
Assim, nessa terra cujo povo já foi maltratado por invasores imperialistas cruéis portugueses, japoneses e indonésios, que impuseram seu poderio, cultura e idioma desrespeitando sua existência cultural e social... nessa terra cujos habitantes comunicam-se através de, pelo menos, 4 idiomas diferentes e não raras vezes 6 e até 8 línguas distintas, várias das quais impostas pelos históricos de dominação que possuem... nessa terra de gente pobre, mas feliz dentro das condições que possuem... de gente desconfiada, mas com um carinho superprotetor... nessa terra onde os paradoxos são imensos mas a vontade de existir dignamente se sobrepõe a tudo... foi bem aqui que eu, educador em formação, percebi que para ensinar é preciso estar disposto a aprender, sem condições ou pré-requisitos... é preciso estar nos problemas alheios e não apenas reconhecê-los como uma responsabilidade não sua... é preciso despir-se de conceitos aos quais nos apegamos por uma insanidade mascarada de qualquer coisa e perceber que educar vem de dentro, do olho no olho sincero, da real vontade de construir algo que faça bem a todos os envolvidos e que eu não sou ninguém pra determinar o que deve ou não deve ser aprendido, mas que o aprendizado real só é significativo quando as partes envolvidas descobrem-se cúmplices no processo.