Ouço sempre colegas de profissão
reclamarem de seus grupos de alunos, ou porque são numerosos, ou porque o grupo
é muito heterogêneo com vários níveis de conhecimento, ou porque são
indisciplinados... enfim, as queixas são muitas e longe de mim dizer que são
sem fundamento. Muito pelo contrário, fico muito indignado com o fato de o
educador ter que se desdobrar em diversos profissionais – psicólogo,
antropólogo, acrobata e até sacerdote – para poder conduzir um trabalho
satisfatório com seu grupo de estudantes.
No entanto, pratico em minhas
meditações pedagógicas a reflexão desta diversidade e algumas ideias vão se
assomando aos conhecimentos que construo em meu cotidiano profissional e que quero,
aqui, compartilhar com vocês.
Primeiramente, uma sala de aula
numerosa é um grande polo de seres humanos – pensantes e sentintes, como
sabiamente diz Drummond – e que, se bem organizados e com boa orientação, podem
vir a se tornar um grupo forte, participativo, crítico e, portanto, algo que
não se quer no cenário social. Sendo assim, os governos entulham as salas de
aula com mais seres humanos, pagam mal aos professores e auxiliam nossa classe
a perpetuar a ideia de que é impossível fazer um trabalho satisfatório nessas
condições. Resultado: o caos e o despropósito que está a Educação!
Por outro lado, a heterogeneidade
que permeia as salas de aula, a disparidade de conhecimentos e a falta de
informações claras por parte de uma grande maioria consistem em um campo fértil
para a promoção de grandes discussões dada a multidiversidade de pensares, o
multiculturalismo e as possibilidades de se questionar verdades, ciências e
dogmas tão apregoados nos currículos escolares, mas nem sempre claros – para alunos
e professores – de suas reais necessidades e eficácia. Isto tudo, associada ao
despreparo e a desmotivação dos profissionais da educação que, diga-se de
passagem, é estratégia política de manipulação de massa, perpetua a falácia da
impossibilidade de um trabalho satisfatório. Resultado: o caos e a insanidade
praticados na Educação em seus mais variados níveis!
Por último, mas não menos
importante (chavões são feios, portanto cabem no teor deste texto), com relação
à disciplina nas salas de aula, eu só questiono quanto ao que se entende por
disciplina. E ainda, como podemos cobrar disciplina dos alunos se o próprio
sistema é indisciplinado?
Explico-me. Disciplina, de acordo
com o dicionário Houaiss, é o controle comportamental de um grupo social regido
por determinadas regras, cujas infrações estão sujeitas a penalidades
igualmente reguladas por normas e leis comuns ao grupo social. Eu poderia
começar uma sonora gargalhada, bem ao estilo da Mafalda, de Quino, mas prefiro
comentar alguns aspectos que aqui percebo. É regra (lei) que todos têm direito
à educação pública e gratuita! Todos os governos possuem um percentual
orçamentário para o que diz respeito à Educação! Dinheiro público, advindo do
pagamento de impostos e fontes de arrecadação “lícitas” devem ser destinados ao
bem estar do povo! A escravidão é crime – já resolveram dividir por dia o que
ganha um professor da rede pública e descontar despesas básicas como moradia,
transporte, alimentação entre outras? Devemos ensinar conteúdos significativos
e contextualizados de acordo com o entorno social do aluno! A sala de aula é um
espaço democrático! A escola deve formar cidadãos críticos, questionadores da
sociedade em que vivem! A escola tecnicista que formava mão-de-obra para
enriquecer os bolsos empresariais foi considerada pelos sábios da educação como
insatisfatória quando se quer formar cidadãos críticos! O ambiente despreparado
das instituições de ensino, a falta de alimentos para a população de baixa
renda, a falta de recursos higiênicos constituem desrespeito à condição humana!
Impor saberes previamente selecionados de forma duvidosa não é exatamente
educação democrática!
Com base nessas afirmações e em
muitas outras que poderiam ser aqui colocadas, podemos agora começar a discutir
onde começa a indisciplina na sala de aula?
Achar culpados é tão religioso
quanto inútil para resolver problemas. Assumir responsabilidades parece-me algo
mais sensato! Resta saber se quem se digna a assumir governos, educação e sala
de aula estão dispostos a encarar o que juraram diante de testemunhas um dia!
Aqui em Timor, meus amigos, não é
diferente. A minha luta pelo respeito à Educação, com a convicção de que é
através dela que podemos transformar caos em dignidade, continua também por cá.
E cada vez que me deparo com os despropósitos políticos, com a corrupção
descarada e com a falta de respeito à educação e aos educadores e alunos, mas
me torno convicto de que este é o caminho e por isso os governantes fecham os
olhos... Na realidade eles têm medo do que pode ser feito deles quando o povo “acordar”!
Timor tem diversidade em suas
salas de aula, muito mais e mais acentuada do que tinha em minhas salas
brasileiras. Timor tem turmas numerosas, em condições rudimentares de ensino,
alunos desnutridos e com dificuldades de transporte e moradia. Timor tem
corrupção, despreparo administrativo – governamental e institucional – tem descaso
com a educação e com os educandos e educadores. Timor não tem indisciplina em
sala de aula, porque os alunos são coagidos a respeitarem regras e pessoas,
quer por “argumentos” religiosos, quer por “argumentos” sociais. No entanto
aqui se vê o brilho nos olhos daqueles que querem sim ter o direito de
aprender, que acreditam poder ajudar o seu país a ser um local próspero, de paz
e com justiça social...
Sabe essas utopias que eu e os
educadores acreditam? Pois então... bem essas... que passam longe dos
relacionamentos de fachada... longe dos contratos superfaturados... longe dos
interesses daqueles que fazem da política profissão e de suas canetas uma arma
contra o pensar, o sentir e o fazer democrático!