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segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Relatos timorenses I


Eu era informante das Falintil. Vinha para Díli clandestinamente buscar documentos e informações para as tropas que estavam escondidas nas montanhas. Buscava com os padres, com os estrangeiros e com pessoas que nos ajudavam, alimentos, jornais, armamentos, cartas, tudo o que fosse preciso. Numa dessas minhas vindas, eu fui preso. Eu, minha esposa e nossas duas filhas. Fomos conduzidos a um campo de prisioneiros. Não sabiam que eu era informante das Falintil, por isso nada de pior me aconteceu. Nós tínhamos muito pouco alimento e água. Tudo da pior qualidade. Muitos prisioneiros adoeciam e morriam por causa disto. Foi o que aconteceu com minha esposa. Ela foi ficando cada vez mais magra e fraca até que um dia não resistiu e morreu. Três semanas depois, minha filha mais velha também não resistiu à fraqueza, à tuberculose e a falta de alimentos e medicamentos, e morreu. Eu, apesar de doente e fraco, consegui resistir, talvez porque havia minha filhinha de apenas 2 anos e que não teria ninguém para ampará-la. Quando tudo acabou, eu e ela fomos para meu distrito, Baucau, para recomeçar nossas vidas. Não chore não, professor. Cada um de nós tem que ser feliz com a história que tem para contar. Pergunte ao General Suharto e aos soldados indonésios as suas histórias. Essas sim são tristes, coitados!

 Deus permitiu que sobrevivêssemos a tudo aquilo, então devemos ter gratidão por esse presente: a vida. E veja bem, professor, como a vida e Deus são infinitamente sábios e bons, uma das filhas se foi para cuidar da mãe e a outra ficou comigo para me amparar na velhice. A guerra, professor, é triste, mas por causa da maldade humana ela é necessária para lutarmos por nossa dignidade. A vida sempre nos recompensa de alguma forma. Eu aqui vou trabalhando por um Timor-Leste de bandeira vermelha de sangue, mas livre. Minha esposa está no céu ajudando a proteger nossa família e nossa nação. Temos um exército de guerreiros aqui na Terra e um exército de anjos no céu. Não é lindo isso, professor!

(Relato de um professor timorense, ao voltarmos do campus distante da Universidade, em meio ao seu sorriso de felicidade e ao rio de lágrimas que me corriam a cada som pronunciado)

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