Eu era informante das Falintil. Vinha para Díli clandestinamente
buscar documentos e informações para as tropas que estavam escondidas nas
montanhas. Buscava com os padres, com os estrangeiros e com pessoas que nos
ajudavam, alimentos, jornais, armamentos, cartas, tudo o que fosse preciso. Numa
dessas minhas vindas, eu fui preso. Eu, minha esposa e nossas duas filhas. Fomos
conduzidos a um campo de prisioneiros. Não sabiam que eu era informante das
Falintil, por isso nada de pior me aconteceu. Nós tínhamos muito pouco alimento
e água. Tudo da pior qualidade. Muitos prisioneiros adoeciam e morriam por
causa disto. Foi o que aconteceu com minha esposa. Ela foi ficando cada vez
mais magra e fraca até que um dia não resistiu e morreu. Três semanas depois,
minha filha mais velha também não resistiu à fraqueza, à tuberculose e a falta
de alimentos e medicamentos, e morreu. Eu, apesar de doente e fraco, consegui
resistir, talvez porque havia minha filhinha de apenas 2 anos e que não teria
ninguém para ampará-la. Quando tudo acabou, eu e ela fomos para meu distrito,
Baucau, para recomeçar nossas vidas. Não chore não, professor. Cada um de nós
tem que ser feliz com a história que tem para contar. Pergunte ao General
Suharto e aos soldados indonésios as suas histórias. Essas sim são tristes,
coitados!
Deus permitiu que
sobrevivêssemos a tudo aquilo, então devemos ter gratidão por esse presente: a
vida. E veja bem, professor, como a vida e Deus são infinitamente sábios e
bons, uma das filhas se foi para cuidar da mãe e a outra ficou comigo para me
amparar na velhice. A guerra, professor, é triste, mas por causa da maldade
humana ela é necessária para lutarmos por nossa dignidade. A vida sempre nos
recompensa de alguma forma. Eu aqui vou trabalhando por um Timor-Leste de
bandeira vermelha de sangue, mas livre. Minha esposa está no céu ajudando a
proteger nossa família e nossa nação. Temos um exército de guerreiros aqui na
Terra e um exército de anjos no céu. Não é lindo isso, professor!
(Relato de um professor timorense, ao voltarmos do campus
distante da Universidade, em meio ao seu sorriso de felicidade e ao rio de
lágrimas que me corriam a cada som pronunciado)
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